Entendendo o Brasil
Não é exagero dizer que a maioria da população brasileira vê o Brasil como um objeto dual e contraditório: um lado olhando para trás e o outro mirando um almejado, mas inalcançável progresso. Encarcerados nessa imagem dupla, ficamos deprimidos com a ausência de uma ideal e exclusiva “brasilidade” — uma expressão única e dominante de nós mesmos como coletividade.
Estado-nacional moderno fundado em um território, administrado por leis e por um governo soberano e eleito pelo povo, o Brasil tem aquela unidade que se vê nos mapas, sendo algo exclusivo e uno. Mas esse Brasil bem delimitado, relativamente concreto, esse Brasil medido e avaliado pelos índices econômicos, engendra muitas imagens e representações. Ele projeta muitas brasilidades que o redefinem e constroem.
Há, então, a brasilidade formal das leis, da Constituição, do hino, da bandeira, dos diários oficiais, dos bancos, dos discursos presidenciais, do Congresso Nacional, das universidades e dos problemas urbanos e rurais; mas há também um conjunto de brasilidades informais e populares, cuja formulação e consciência pode ser fonte de alegria ou de profunda perturbação.
Ao lado dessa brasilidade que lemos nos jornais e que se representa como texto escrito e imagem de TV, que segue a lógica do individualismo, do capitalismo e do mercado, temos também brasilidades marginais que rejeitam esses avatares da modernidade e não se constituem por meio da ciência, das letras e da tecnologia, mas por meio da comida, do canto, da dança, das fantasias, das festas e de uma profunda relação com o sobrenatural.
Essa é a brasilidade mestiça e relacional dos terreiros de candomblé e umbanda, do jogo do bicho, dos almoços de domingo, da sensualidade, do samba e das favelas; do sertão e das comunidades híbridas, situadas no ponto de interseção entre o antigo e o novo, o local e o global, o de dentro e o de fora. Comunidades e brasilidades que vivem na pobreza material, mas desfrutam de uma imensa riqueza cultural e ideológica, pois participam de vários mundos e valores simultaneamente, acreditando em Deus e no trabalho; e também na sorte, no poder das encruzilhadas, do destino e dos exus.
Roberto da Matta. Internet: <www.cieam.com.br> (com adaptações).