A chegada das naus portuguesas pela primeira vez ao Brasil foi acompanhada por um documento excepcional. O escrivão da frota, Pero Vaz de Caminha, mandava ao rei de Portugal um relato narrando, passo a passo, do dia 21 de abril a primeiro de maio de 1500, a aproximação e abordagem das novas terras. O caráter documental, por si só, conferiria a esta Carta do achamento do Brasil um alto valor. Mas ela adquire um caráter mítico de ato fundador do país a partir de duas qualidades que Caminha possuía largamente: legítimo e elevado talento literário vinculado à capacidade aguda de observação.
O cerne do texto concentra-se na cerimônia mais significante: a missa, que congregou navegadores e índios. Assim, sob a égide católica, associam-se, numa cena de elevação espiritual, as duas culturas. Criava-se ali o ato de batismo da nação brasileira. Momento prenhe de significados, que o projeto de construção de um passado histórico para o Brasil, ocorrido no século XIX, saberia explorar. Será a pintura a encarregada de fixar e de imprimir nas mentes esse instante inaugural por meio do pincel de Victor Meirelles, então jovem e promissor talento. Em Paris, em 1859, ele decide pintar A primeira missa no Brasil.
Jorge Coli. A pintura e o olhar sobre si: Victor Meirelles e a invenção de uma história visual no século XIX brasileiro. In: Marcos Cezar de Freitas (org.). Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 2003, p. 378-80 (com adaptações).