Seria uma felicidade para mim, decerto, a morte de Adrião. Desgraçadamente aquela criatura tinha sete fôlegos. Hoje quase a morrer, de olho duro, vela debaixo do travesseiro, a casa cheia. Padre ao lado, os amigos escovando a roupa preta — e amanhã arrimado à bengala, perna aqui, perna acolá, manquejando.
Decididamente o Dr. Liberato é um sujeito desastrado: deixa que se vão os doentes que fazem falta e adia o fim dos inúteis. Guiomar Mesquita, com dezoito anos, flor de graça e bondade, como diz Xavier Filho, depois de quatro meses ora arriba ora abaixo, lá se foi em março. E a mulher do sapateiro, a tísica, ainda vive. Enquanto, carregado de apreensões, eu tentava acrescentar uma página aos meus caetés, ouvia-lhe a tosse cavernosa.
Vendo Adrião estirado, a gente perguntava:
— Há perigo, Doutor?
E o Dr. Liberato falava no ventrículo, na aurícula, nas válvulas, e opinavaC:
— Se não sobrevierem complicações, julgo que não há perigo.
Não sobrevinham complicações. A aurícula, o ventrículo, as válvulas continuavam a funcionar — e Adrião, combalido, existia.
Graciliano Ramos. Caetés. Rio, São Paulo: Record, Martins, 1975, p. 165.