O desejo de dominação e de fortuna encrava-se, aqui e lá, em praias hostis que deverão povoar seu interior. Nos primeiros tempos, cada porto ou praia de desembarque é uma ilha cercada de hostilidade e mistério. É preciso, pois, relatar rapidamente a epopéia da instalação do homem branco nessas costas africanas e americanas e tentar compreender como a ocupação das terras da América e a utilização dos portos da África fazem do Atlântico o imenso mar interiorE que os navegadores europeus aprenderão a cruzar cada vez com maior segurança, para voltar a unir o que o caos précambriano separou, na prática de um tráfico rendosoE e sempre mais indispensável ao desenvolvimento do Novo Mundo. O homem branco considerará lucrativo e glorioso instalar-se no Brasil, nas vastidões quase desertas, que se mostrarão fáceis de conquistar e prometedoras de riquezas, enquanto a África dos reinos e das tribos negras, território “repleto” que ninguém ainda pensa em conquistar e colonizar, aparenta ser relativamente pobre em metais nobres e vai-se deixar dessangrar em sua força de trabalho, sua grande reserva, o homem preto, mercadoria diferente das outras, e tornada, após o eclipse de outras riquezas naturais — ouro, especiarias, marfim —, a fortuna essencial do continente negro. Cabedal a transportar para o Novo Mundo, a trazer para as Américas sangue e fortuna. Estranha aventura que enxerta a África negra na América branca e vermelhaE.
Kátia de Queirós Mattoso. In: Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, p. 17 (com adaptações).