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Texto para a questão


Às vezes, eu sinto a angústia de um menino perdido numa multidão. Vivemos hoje no Brasil um período inusitado de estabilidade política permeada pelas superimposições promovidas pelo casamento entre hierarquias aristocráticas ― que, em todas as sociedades (e sobretudo na escravidão, como percebeu o seu teórico mais sensível, Joaquim Nabuco), têm como base a amizade e a simpatia pessoal ― e pelo individualismo moderno relativamente igualitário, que demanda burocracia e, com ela, uma impecável, abrangente e inatingível impessoalidade.


O hibridismo resultante pode ser negativo ou positivo. Pelo que capturo, o hibridismo é sempre mal visto(d) porque ele não cabe no modo ocidental de pensar. Provam isso as Cruzadas, a Inquisição, o Puritanismo, as Guerras Mundiais, o Holocausto e a exagerada ênfase na purificação e na eugenia ― na coerência absoluta entre gente, terra, língua e costumes, típicas do eurocentrismo. A mistura corre do lado errado e tende a derrapar como um carro dirigido por jovens bêbados quando saem da balada.


Como gostamos de brincar com fogo, estamos sempre a um passo da legitimação da violência, justificada como a voz dos oprimidos que ainda não aprenderam a se manifestar corretamente. E como fazê-lo se jamais tivemos um ensino efetivamente igualitário ou instrumental para o igualitarismo numa sociedade cunhada pelo escravismo e por uma ética de condescendência pelos amigos e conhecidos?


Pressinto uma enorme violência no nosso sistema de vida. Temo que ela venha a ocupar um território ainda mais denso e seja usada para legitimar outras violências tanto ou mais brutais do que o quebra-quebra hoje redefinido como “manifestações”, protestos que começam como demandas legítimas e, infiltrados, tornam-se quebra-quebras. Qual é o lado a ser tomado se ambos são legítimos e, como é óbvio, dizem alguma coisa como tudo o que é humano?


Estou, pois, um tanto perdido e um tanto achado nessa encruzilhada entre demandas legais e prestígios pessoais. Entre patrimonialismo carismático e burocracia, os quais sustentam o “Você sabe com quem está falando?” ― esse padrinho do “comigo é diferente”, “cada caso é um caso”, “ele é meu amigo”, “você está errado mas eu continuo te amando”... E por aí vai numa sequência que o leitor pode inferir, deferir ou embargar.


Roberto da Mata. Achados e perdidos. In: O Estado de S.Paulo, São Paulo, 23/10/2013 (com adaptações).

 

Com base nas ideias do texto, assinale a opção correta.



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