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Esta história começa numa noite de março tão escura quanto é a noite enquanto se dorme. O modo como, tranquilo, o tempo decorria era a lua altíssima passando pelo céu.


Fora para o lado do mar que aquele homem pretendera ir, antes mesmo de ter encontrado por feliz acaso o hotel. Mas — sem mapa, conhecimento ou bússola — embrenhara-se terra adentro.


“Hoje deve ser domingo” — chegou mesmo a pensar com certa glória, e domingo seria o grande coroamento de sua isenção. Tratava-se de seu primeiro pensamento claro, desde que deixara o hotel. Na verdade, desde que fugira, era o primeiro pensamento que não tinha mera utilidade de defesa. De início, aliás, Martim até não soube o que fazer com ele. Apenas agitou-se à novidade, e coçou-se voraz sem parar de andar.


Foi mais além que estacou diante do primeiro passarinho. O passarinho negro estava pousado num ramo baixo, à altura de seus olhos; com mão pesada e potente, o homem pegou-o sem machucá-lo, com a bondade física que tem uma mão pesada.


Com o leve peso a carregar, o homem continuou sua marcha entre pedras.


— Não sei mais falar, disse, então, para o passarinho, evitando olhá-lo...


Só depois pareceu entender o que dissera, e então olhou face a face o sol. “Perdi a linguagem dos outros”, repetiu, então, bem devagar, como se as palavras fossem mais obscuras do que eram, e de algum modo muito lisonjeiras.


Alguma coisa estava lhe acontecendo. E era alguma coisa com um significado, embora não houvesse um sinônimo para essa coisa que estava acontecendo. E não havia sinônimo para nenhuma coisa...


Aquele homem rejeitara a linguagem dos outros e não tinha sequer começo de linguagem própria. E, no entanto, oco, mudo, rejubilava-se. Assim, ao remexer agora com fascínio ainda cauteloso na linguagem morta, ele tentou, por pura experiência, dar o título antigamente tão familiar de “crime” a essa coisa tão sem nome que lhe sucedera.


Clarice Lispector. A maçã no escuro. Rio de
Janeiro: Rocco, 1998 (com adaptações).

 

Com base no texto acima e nos aspectos por ele suscitados, julgue o item a seguir.

 

Depreende-se do texto que o exercício de nomear algo “tão sem nome” resultou de um processo de deslumbramento vivenciado pelo personagem diante da possibilidade de retomada da linguagem que julgava ter perdido.


Outras questões do mesmo concurso: UnB / Vest (UnB) / 2012 / Regular


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1º Dia - Prova Objetiva - Parte I

1º Dia - Prova Objetiva - Parte II

2º Dia - Prova Objetiva - Parte III

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