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Texto XI
Até meados do século XIX, a classe que trafica adquire bens para convertê-los em lucro e benefício. Daí em diante, ela será outra. Um traço para distinguir as duas fases já foi lembrado: o despertar do entorpecimento que lhe causava a predominância social da classe proprietária, por sua vez, na cúpula, recoberta pelo estamento dos que mandam, governam e dirigem a política. Mas que não haja equívoco: o arrastar na
sombra denunciava-lhe prestígio negativo, oriundo da composição de estrangeiros entre seus membros e do tipo de negócios a que se dedicava, sobretudo no comércio negreiro. Não que vivesse alheia à importância econômica ou à eficiência no trato do sistema. Era ela a categoria dinâmica da economia, a que lhe dava impulso à energia, financiando produção, com o fornecimento de crédito e escravos. Sobretudo, armava o elo que ligava o café ao comércio mundial, polo diretor, em última instância, da economia nacional, dependente de flutuação de centros de decisões fora do país. De outro lado, comunicava às cidades e ao campo a modernização, de nível europeu, de mercadorias, e, por via delas, de costumes, modas e hábitos de consumo. Estava na sombra, mas não lhe faltava atividade, vibração nervosa e energia. Por via desse subterrâneo pulsar, ligava-se ao estrato dirigente, o estamento, com repulsa e, não raro, em oposição de estilos de vida, mas em íntima compreensão, além da zona dos salões e dos palácios, aos interesses materiais. Assim é que, antes de 1850, a arquitetura política, caracterizada no centralismo, servia mais ao grupo dos negociantes, comissários, traficantes de escravos, importadores e exportadores, do que aos isolados produtores e fazendeiros. Servia-a, também, a estabilidade monetária, quebrada de maneira grave com a agitação de fazendeiros e especuladores industriais no fim do império. Houve um momento em que ela — a classe lucrativa — se emancipou, passou a viver de seu próprio impulso, sem se disfarçar ou mascarar-se em traços secundários de outra classe, detentora de maior expressão social, ou do estrato monopolizador do prestígio político. Sobe uma classe e dentro dela elevam-se muitos aspirantes a essa camada. Individualmente, é o momento da crise — o homem escolhe o seu caminho, desdenhando o curso batido e frequentado. Socialmente, toda uma camada quer os bens da vida, materiais e ideais, sem arrimos ou auxílios, agora vistos como ilegítimos. O empresário faz-se na cidade, conquista títulos de nobreza e cadeiras no parlamento. Foi neste momento que a surpreendeu Machado de Assis, mal inclinado a ela por força de seu preconceito, nutrido de tradição. No seu sarcasmo, ferindo-a de zombarias e riso, ele vê um mundo que cresce a sua frente, transformando a sociedade — ele tudo vê, com escândalo, repugnância e indignação. O dinheiro, avassalando os negócios, invade as consciências, infundindo torpeza em toda parte, na queda de escrúpulos, virtudes e valores.
Raymundo Faoro. Lucro e negócios — classe lucrativa.
In: Machado de Assis — a pirâmide e o trapézio. São Paulo: Companhia Edi tora Nacional, 1974. p. 226 (com adaptações).
Considerando as ideias e os aspectos linguísticos do texto XI, julgue (C ou E) o item a seguir.
Na frase “o arrastar na sombra denunciava-lhe prestígio negativo”, a substituição do pronome oblíquo “lhe” por a ela prejudicaria a correção gramatical do texto.