Enunciados de questões e informações de concursos
Texto VI
A segunda ignorância que tira o merecimento ao amor é não conhecer quem ama, a quem ama. Quantas cousas há no mundo muito amadas, que, se as conhecera quem as ama, haviam de ser muito aborrecidas! Graças logo ao engano e não ao amor (...) Deste discurso se segue uma conclusão tão certa como ignorada; e é que os homens não amam aquilo que cuidam que amam. Por quê? Ou porque o que amam não é o que cuidam; ou porque amam o que verdadeiramente não há. Quem estima vidros, cuidando que são diamantes, diamantes estima e não vidros; quem ama defeitos, cuidando que são perfeições, perfeições ama e não defeitos. Cuidais que amais diamantes de firmeza, e amais vidros de fragilidade; cuidais que amais perfeições angélicas, e amais imperfeições humanas. Logo, os homens não amam o que cuidam que amam. Donde também se segue que amam o que verdadeiramente não há; porque amam as cousas, não como são, senão como as imaginam; e o que se imagina, e não é, não o há no mundo.
Padre Antonio Vieira. Sermão do Mandato.
In: Sermões Escolhidos. Lisboa: Biblioteca Ulisseia de Autores Portugueses, 1996, p. 144-5.
Texto VII
Nas formas de vida coletiva podem assinalar-se dois princípios que se combatem e regulam diversamente as atividades dos homens. Esses dois princípios encarnam-se nos tipos do aventureiro e do trabalhador. Já nas sociedades rudimentares manifestam-se eles, segundo sua predominância, na distinção fundamental entre os povos caçadores ou coletores e os povos lavradores (...) Existe uma ética do trabalho, como existe uma ética da aventura. Assim, o indivíduo do tipo trabalhador só atribuirá valor moral positivo às ações que sente ânimo de praticar e, inversamente, terá por imorais e detestáveis as qualidades próprias do aventureiro — audácia, imprevidência, irresponsabilidade, instabilidade, vagabundagem — tudo, enfim, quanto se relacione com a concepção espaçosa do mundo, característica desse tipo. Por outro lado, as energias e esforços que se dirigem a uma recompensa imediata são enaltecidos pelos aventureiros; tanto as energias que visam à estabilidade, à paz, à segurança pessoal quanto os esforços sem perspectiva de rápido proveito material passam, ao contrário, por viciosos e desprezíveis para eles. Nada lhes parece mais estúpido e mesquinho do que o ideal do trabalhador. Entre esses dois tipos não há, em verdade, tanto uma oposição absoluta como uma incompreensão radical.
Sergio Buarque de Holanda.
Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 44 (com adaptações).
Texto VIII
A maior injustiça que se poderia fazer a um regionalismo como o nosso seria confundi-lo com separatismo ou com bairrismo. Com anti-internacionalismo, antiuniversalismo ou antinacionalismo. Ele é tão contrário a qualquer espécie de separatismo que, mais unionista que o
atual e precário unionismo brasileiro, visa a superação do estadualismo, lamentavelmente desenvolvido aqui pela República — este sim, separatista —, para substituí-lo por novo e flexível sistema em que as regiões, mais importantes que os Estados, se completem e se integrem ativa e criadoramente numa verdadeira organização nacional.
Gilberto Freyre. Manifesto regionalista. Recife: Editora Massangana, 1996, p. 49.
Texto IX
O gosto da maravilha e do mistério, quase inseparável da literatura de viagens na era dos grandes descobrimentos marítimos, ocupa espaço singularmente reduzido nos escritos quinhentistas dos portugueses sobre o Novo Mundo. Ou porque a longa prática das navegações do Mar Oceano e o assíduo trato das terras e gentes estranhas já tivessem amortecido neles a sensibilidade para o exótico, ou porque o fascínio do Oriente ainda absorvesse em demasia os seus cuidados sem deixar margem a maiores surpresas, a verdade é que não os inquietam, aqui, os extraordinários portentos, nem a esperança deles. E o próprio sonho de riquezas fabulosas, que no resto do hemisfério há de guiar tantas vezes os passos do conquistador europeu, é em seu caso constantemente cerceado por uma noção mais nítida, porventura, das limitações humanas e terrenas. (...) Não está um pouco nesse caso o realismo comumente desencantado, voltado sobretudo para o particular e o concreto, que vemos predominar entre nossos velhos cronistas portugueses? Desde Gandavo e, melhor, desde Pero Vaz de Caminha até, pelo menos, Frei Vicente do Salvador, é uma curiosidade relativamente temperada, sujeita, em geral, à inspiração prosaicamente utilitária, o que dita as descrições e reflexões de tais autores. (...) Muito mais do que as especulações ou os desvairados sonhos, é a experiência imediata o que tende a reger a noção do mundo desses escritores e marinheiros.
Sergio Buarque de Holanda. Visão do paraíso. São Paulo: Editora Brasiliense, 1998, p. 1 e 5.
Com base nas ideias desenvolvidas nos textos VI, VII, VIII e IX, julgue (C ou E) o item que se segue.
No texto IX, o autor apresenta os seguintes argumentos para justificar o reduzido “gosto da maravilha e do mistério” dos cronistas portugueses do século XVI sobre o Novo Mundo: redução da sensibilidade para o exótico causado pela longa prática de navegações e pelo assíduo trato de terras e gentes estranhas; consciência das limitações humanas e terrenas da presença de riquezas fabulosas presentes em outras partes do continente; realismo desencantado, concreto e utilitário.