Chuvas e constelações
Um tema pouco veiculado na literatura etnológica brasileira é o calendário das atividades de subsistência de um grupo indígena(a) – os Desâna, do rio Tiquié –, determinado pelo aparecimento de certas constelações. O conhecimento empírico dos Desâna divide o clima da região em certo número de “verões”, alguns muito curtos, outros mais longos, entremeados por chuvas, estas anunciadas pelas constelações.
A ambas – constelações e chuvas – estão associados os ciclos econômicos naturais: início, amadurecimento e término das safras de frutas; ocorrência de piracemas; safras de insetos, como a maniuara e a saúva, de grande importância alimentar.
Às referidas mudanças climáticas vincula-se também o ciclo agrícola,(b) pois a queima das roças é feita nas estiagens.
O ano dos indígenas Desâna começa em outubro, quando surge no poente a constelação “Iluminação da jararaca” (añá siñoliru).(c) A pesada chuva que ela anuncia também tem esse nome. Logo surgem, uma em seguida à outra, as constelações que completam a figura da cobra: a “Cabeça de jararaca” (añá dihpuro puiró) e o “Corpo de jararaca” (añá dëhpë puiro). É época de fazer a limpeza do solo e a derrubada das árvores para abrir novas roças.
Em janeiro vem o “verão do abiu” (kané were: abiu, verão), que dura cinco dias. É quando essa fruta começa a escassear. Vem em seguida o “verão do ingá” (mené were: ingá, verão), também assinalado pelo término da safra dessa fruta de vagem comprida. Esse verão dura de oito a 15 dias, tempo dedicado à queima da roça aberta na mata virgem derrubada em outubro.(d) Quando acaba esse verão, no fim de janeiro, começa a chuva “Fêmur de tatu”, anunciada pela constelação do mesmo nome (pamo ngoá dëhka).
As observações climáticas dos Desâna contradizem a noção de que, na região, há apenas duas estações: seca e chuvosa, ou “verão” e “inverno”. Também superam outra classificação simplista, que só distingue no solo amazônico a terra firme, a campina e a várzea. Disso se conclui que o conhecimento indígena dos fenômenos climáticos deve ser considerado(e) para a compreensão da etnoecologia da Amazônia.
(Berta Ribeiro e Tolamãn Kenhíri. Chuvas e Constelações: Calendário econômico dos índios Desâna.
Disponível em: https://revistacienciaecultura.org.br/?artigos=chuvas-e-constelacoes)