EM SOMBRAS SE DISSOLVE A LUZ DA TARDE; A LADEIRA DO TABUÃO, QUASE VAZIA, AINDA NÃO SE REFEZ DO CARNAVAL. Mestre Lídio Corró, debruçado sobre o papel, desenha e pinta, risca o milagre. Começou antes do entrudo, deve terminar ainda hoje. Apesar do cansaço e da preguiça, a fisionomia se abre num sorriso. O milagre foi famoso, digno de promessa e gratidão, gratidão que Lídio Corró, artista do pincel, expressa sob encomenda, usando para tanto sua tinta de cola e seu talento. Mas Lídio não pensa na grandeza da graça concedida, na categoria do prodígio, do próprio quadro decorrem seu sorriso e seu contentamento: a luz obtida, das cores e da composição difícil, com as figuras, a fuga dos cavalos, o santo e a mata virgem. Gosta da onça, sobretudo.
AMADO, Jorge, Tenda dos Milagres, São Paulo: Companhia das Letras, 2010.