Aluísio de Azevedo, maranhense nascido em São Luís, autor de Casa de Pensão, mantém em sua ficção relações vivas com o mundo real, demonstrando como comportamentos humanos são determinados pelo meio. Foram selecionados dois fragmentos que servem de base para a questão.
Texto I
Estava hospedado há dois dias em casa do Campos; esse tempo levara ele a entregar cartas e encomendas. À noite, fatigado e entorpecido pelo calor, mal tinha ânimo para dar uma vista de olhos pelas ruas da cidade.
Entretanto, a vida externa o atraía de um modo desabrido; estalava por cair no meio desse formigueiro, desse bulício vertiginoso, cuja vibração lhe chegava aos ouvidos, como os ecos longínquos de uma saturnal. Queria ver de perto o que vinha a ser essa grande Corte, de que tanto lhe falavam; ouvira contar maravilhas a respeito de cortesãs cínicas e formosas, ceias pela madrugada, passeios ao Jardim Botânico, em carros descobertos, o champanhe ao lado, o cocheiro bêbado; – e tudo isso o atraía em silêncio, e tudo isso o fascinava, o visgava com domínio secreto de um vício antigo.
– Mas, por onde havia de principiar?... Não tinha relações, não tinha amigos que o encaminhassem! Além disso, o Campos estava sempre a lhe moer o juízo com as matrículas, com a entrada na academia, com um inferno de obrigações a cumprir, cada qual mais pesada, mais antipática, mais insuportável!
– Olhe, seu Amâncio, que o tempo não espicha – encolhe!... É bom ir cuidando disso!... repetia-lhe o negociante, fazendo ar sério e comprometido. - Veja agora se vai perder o ano! Veja se quer arranjar por aí um par de botas!...
Amâncio fingia-se logo muito preocupado com os estudos e falava calorosamente na matrícula.
Mexa-se então, homem de Deus! bradava o outro. – Os dias estão correndo!...
Afinal, graças aos esforços do Campos, conseguiu matricular-se na academia, duas semanas depois de ter chegado ao Rio de Janeiro.
AZEVEDO, Aluísio de. Casa de Pensão. Editora Ática, 1997.