Enunciados de questões e informações de concursos
Texto II
Além de serem interdependentes, identidade e diferença partilham uma importante característica: elas são o resultado de atos de criação lingüística. Isso significa dizer que não são “elementos” da natureza, que não são essências, que não são coisas que estejam simplesmente aí, à espera de serem reveladas ou descobertas, respeitadas ou toleradas. A identidade e a diferença têm de ser ativamente produzidas. Somos nós que as fabricamos no contexto de relações culturais e sociais. Elas são criadas por meio de atos de linguagem.
Como ato lingüístico, a identidade e a diferença estão sujeitas a certas propriedades que caracterizam a linguagem em geral. Por exemplo, segundo o lingüista Saussure, a linguagem é, fundamentalmente, um sistema de diferenças, os elementos — os signos — que constituem uma língua não têm qualquer valor absoluto. Reencontramos, aqui, não a idéia de diferença como produto, mas como a operação ou o processo básico de funcionamento da língua e, por extensão, de instituições culturais e sociais, como a identidade, por exemplo.
Derrida acrescenta a isso a idéia de traço: o signo carrega sempre não apenas o traço daquilo que ele substitui, mas também o traço daquilo que ele não é, ou seja, precisamente a diferença.
A identidade, tal como a diferença, é uma relação social. Sua definição — discursiva e lingüística — está sujeita a vetores de força, a relações de poder. A afirmação da identidade e a enunciação da diferença traduzem o desejo dos diferentes grupos sociais, assimetricamente situados, de garantir o acesso privilegiado aos bens sociais. O poder de definir a identidade e de marcar a diferença não pode ser separado das relações mais amplas de poder.
Tomaz Tadeu da Silva. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2 0 0 0 , p. 76 (com a d a p t a ç õ e s ) .
Texto III
A ética contemporânea faz grande alvoroço em torno das diferenças culturais. Sua concepção do outro tem em vista essencialmente esse tipo de diferenças. E seu grande ideal é a coexistência tranqüila das comunidades culturais, religiosas, nacionais etc., a recusa da “exclusão”.
Mas é preciso sustentar que essas diferenças não têm qualquer interesse para o pensamento, não são mais que a evidente multiplicidade infinita da espécie humana, a qual é tão flagrante entre mim e meu primo de Lyon como entre a comunidade xiita do Iraque e os cowboys do Texas.
O embasamento objetivo (ou à maneira de historiador) da ética contemporânea é o culturalismo, a fascinação verdadeiramente turística pela multiplicidade dos hábitos, dos costumes, das crenças. E especialmente pela inevitável bizarria das formações imaginárias (religiões, representações sexuais, formas de encarnação da autoridade...). Sim, o essencial da “objetividade” ética provém de uma sociologia vulgar, diretamente herdada do espanto colonial diante dos selvagens, ficando entendido que os selvagens estão também entre nós (drogados dos subúrbios, comunidades religiosas, seitas: todo o aparato jornalístico da ameaçadora alteridade interna), ao que a ética, sem mudar o dispositivo de investigação, opõe seu “reconhecimento” e seus trabalhadores sociais.
Contra essas descrições fúteis (tudo o que nos contam ali é uma realidade ao mesmo tempo evidente e por si mesma inconsistente), o pensamento verdadeiro deve afirmar o seguinte: sendo as diferenças o que há, e toda verdade sendo o vir-a-ser do que ainda não é, as diferenças são precisamente o que toda verdade deposita, ou faz aparecer, como insignificante. Nenhuma situação concreta é esclarecida em razão do “reconhecimento do outro”. Em toda configuração coletiva moderna, há pessoas de toda parte, que comem diferentemente, falam múltiplos idiomas, usam diferentes chapéus, praticam diferentes ritos, têm uma relação complicada e variável com a coisa sexual, amam a autoridade ou a desordem; e assim segue o mundo.
A. Badiou. Ética: um ensaio sobre a consciência do mal. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 19 9 5, p. 40-1 (com adaptações).
Com relação aos textos II e III, julgue o item seguinte.
No texto II, o autor refuta abordagem em que se examinem a identidade e a diferença culturais dissociadas e como evidências em si, como algo estanque, dado, fixo e natural , como é o enfoque do texto III.