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Texto
“Ah, o Brasil, que país!”, exclama uma personagem de La Vie Dangereuse. “Que país, esse Brasil!”, repetirão, com diferentes entonações, o melancólico capitão de longo curso, um agente da Terceira Internacional, a mulher de um diplomata reformado. Na verdade, as dimensões míticas desse subcontinente verde, sobrecarregado de movimento e de vida, só poderiam fascinar a imaginação de Blaise Cendrars. Viajante sem bagagem e sem descanso, o poeta do Transiberiano já se havia declarado irrevogavelmente contra as descrições de paisagens. Penetrar as coisas, interpretá-las, descrever ao seu modo animais e homens era a missão do viajante algo entediado.
A dança da paisagem... As sempre mesmas Europas... Diante delas: o Brasil, vaga expressão geográfica, país novo, quase um desconhecido de si mesmo, imenso laboratório de culturas onde coexistiam as mais contraditórias experiências de tempo social. A síntese psicológica e cultural, a paisagem humana feita de contrastes tão variados do Brasil teriam de exercer gradativamente sobre Cendrars atração irresistível.
Mesmo antes da Grande Guerra — está-se farto de saber —, o jovem escritor suíço pretendia, com argumentos mais ou menos míticos, haver conhecido os países decisivos do mundo, da China aos Estados Unidos da América, da Alemanha ao Egito. O seu prestígio no mundo literário, consolidado já a partir de 1912 — data da primeira edição de Les Pâques à New York —, crescera definitivamente, no ano seguinte, com a Prose du Transsibérien et de la Petite Jehanne de France, para não falarmos de outros textos que publica em revistas de vanguarda. É preciso não esquecer também algumas plaquettes ilustradas pelos pintores cubistas mais conhecidos, e que os colecionadores disputam. A Anthologie Nègre, de 1921, vem a ser um êxito de público e de crítica; consegue mesmo rejuvenescer um pouco ainda a moda primitivista, já em desfavor nos meios mais à vanguarda.
É depois da publicação da Anthologie que o compositor Darius Milhaud, interessado pelo jazz desde o final da guerra, procura a colaboração do poeta para um balé de tema negro que deseja compor. De 1917 a 1918, Milhaud fora adido à Legação francesa no Rio de Janeiro. Viera para essa cidade a convite de Paul Claudel, então chefe da missão diplomática do seu país junto ao governo brasileiro, e que não desejava interromper a colaboração intelectual que ambos mantinham na Europa. Compositor e poeta continuarão a trabalhar juntos no Brasil, em busca de uma integração dramática entre música e teatro declamado. Para Darius Milhaud, entretanto, que também escreve a música incidental para a farsa lírica O Urso e a Lua, do seu chefe, a descoberta da música popular brasileira — o maxixe, o choro, o tanguinho, o samba —, com os seus problemas específicos de ritmo, foi muito estimulante. No Rio, ele conhecera o jovem Villa-Lobos — para quem Stravinski acabara de ser uma revelação —, que começava a encarar a possibilidade de utilizar, de maneira orgânica, o vasto folclore nacional. Por sua vez, Milhaud, introduzido no ambiente da música popular do Rio, recolhe o material que utilizará em seguida no Boeuf sur le Toît, chaplinesca “cinema-sinfonia sobre temas sul-americanos”, cujo título e frenético dinamismo se inspiram, entre outros motivos, no maxixe Boi no Telhado, de Zé Boiadêro.
Darius Milhaud foi, sem dúvida, o primeiro intelectual a despertar a curiosidade de Cendrars pelo Brasil. Conhecedor do singular temperamento do amigo novo, o compositor percebeu o interesse que a experiência de um mundo inteiramente inédito — dessa paisagem deveras anônima, conforme Gobineau a classificara com hepático mau humor cinquenta anos antes — iria provocar no poeta do Panama. Mesmo assim, é pouco provável que, nessa época, Cendrars alimentasse o mais vago propósito de partir para a América do Sul, rumo ao país delirante e ingênuo dos bois no telhado. Os acontecimentos, porém, se precipitam. La Création du Monde seria dançada pelos Ballets Suédois, de Rolf de Maré, em outubro de 1923, e, em janeiro do ano seguinte, com o irônico desprendimento do turista ocasional, Cendrars estava zarpando para o Brasil a bordo do Formoso, vapor que batia bandeira francesa.
Alexandre Eulálio. A aventura brasileira de Blaise Cendrars. São Paulo: Quíron, 1978, p.14-6 (com adaptações).
Julgue o item a seguir, relativo às ideias desenvolvidas no texto .
Conforme o texto, Blaise Cendrars deixou-se influenciar pelos temas nativistas e pelo “vasto folclore nacional” que encontrou ao chegar ao Brasil e manter contato com os compositores do país.