O direito à privacidade já desapareceu faz tempo no mundo em que vivemos. Esse direito foi desmantelado, antes mesmo que pelos espiões, pela imprensa marrom e pelas revistas cor-de-rosa, pela ferocidade dos debatedores políticos — que, em sua ânsia de aniquilar o adversário, não hesitam em expor à luz suas intimidades mais secretas — e por um público ávido por invadir o âmbito do privado a fim de saciar sua curiosidade com segredos de alcova, escândalos de família, relações perigosas, intrigas, vícios, tudo aquilo que antigamente parecia vedado à exposição pública. Hoje, a fronteira entre o privado e o público se eclipsou e, embora existam leis que na aparência protegem a privacidade, poucas pessoas apelam para os tribunais a fim de reclamá-la, porque sabem que as possibilidades de que os juízes lhes deem razão são escassas. Desse modo, embora por inércia continuemos utilizando a palavra escândalo, a realidade a esvaziou do seu conteúdo tradicional e da censura moral que implicava e passou a ser sinônimo de entretenimento legítimo.
Mário Vargas Llosa. Aposentem os espiões. Internet: <www.observatoriodaimprensa.com.br> (com adaptações).