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Texto 2 para responder à questão.
“Precisa-se de um professor de língua javanesa. Cartas etc.” Ora, disse cá comigo, está ali uma colocação que não terá muitos concorrentes; se eu capiscasse quatro palavras, ia apresentar-me. Saí do café e andei pelas ruas, sempre a imaginar-me professor de javanês, ganhando dinheiro, andando de bonde e sem encontros desagradáveis com os “cadáveres”. Insensivelmente dirigi-me à Biblioteca Nacional. Não sabia bem que livro iria pedir; mas, entrei, entreguei o chapéu ao porteiro, recebi a senha e subi. Na escada, acudiu-me pedir a Grande encyclopédie, letra J, a fim de consultar o artigo relativo a Java e a língua javanesa. Dito e feito. Fiquei sabendo, ao fim de alguns minutos, que Java era uma grande ilha do arquipélago de Sonda, colônia holandesa, e o javanês, língua aglutinante do grupo malaio-polinésio, possuía uma literatura digna de nota e escrita em caracteres derivados do velho alfabeto hindu.
A Enciclopédia dava-me indicação de trabalhos sobre a tal língua malaia e não tive dúvidas em consultar um deles. Copiei o alfabeto, a sua pronunciação figurada e saí. Andei pelas ruas, perambulando e mastigando letras.
Na minha cabeça dançavam hieróglifos; de quando em quando consultava as minhas notas; entrava nos jardins e escrevia estes calungas na areia para guardá-los bem na memória e habituar a mão a escrevê-los.
À noite, quando pude entrar em casa sem ser visto, para evitar indiscretas perguntas do encarregado, ainda continuei no quarto a engolir o meu “a-b-c” malaio, e, com tanto afinco levei o propósito que, de manhã, o sabia perfeitamente.
Convenci-me de que aquela era a língua mais fácil do mundo e saí; mas não tão cedo que não me encontrasse com o encarregado dos aluguéis dos cômodos:
— Senhor Castelo, quando salda a sua conta?
Respondi-lhe então eu, com a mais encantadora esperança:
— Breve... Espere um pouco... Tenha paciência... Vou ser nomeado professor de javanês, e...
Por aí o homem interrompeu-me:
— Que diabo vem a ser isso, senhor Castelo?
Gostei da diversão e ataquei o patriotismo do homem:
— É uma língua que se fala lá pelas bandas do Timor. Sabe onde é?
Oh! alma ingênua! O homem esqueceu-se da minha dívida e disse-me com aquele falar forte dos portugueses:
— Eu cá por mim, não sei bem; mas ouvi dizer que são umas terras que temos lá para os lados de Macau. E o senhor sabe isso, senhor Castelo?
Animado com esta saída feliz que me deu o javanês, voltei a procurar o anúncio. Lá estava ele. Resolvi animosamente propor-me ao professorado do idioma oceânico. Redigi a resposta, passei pelo Jornal e lá deixei a carta. Em seguida, voltei à biblioteca e continuei os meus estudos de javanês.
Não fiz grandes progressos nesse dia, não sei se por julgar o alfabeto javanês o único saber necessário a um professor de língua malaia ou se por ter me empenhado mais na bibliografia e história literária do idioma que ia ensinar.
Ao cabo de dois dias, recebia eu uma carta para ir falar ao doutor Manuel Feliciano Soares Albernaz, barão de Jacuecanga, à rua Conde de Bonfim, não me recordo bem que número. É preciso não te esqueceres que entrementes continuei estudando o meu malaio, isto é, o tal javanês. Além do alfabeto, fiquei sabendo o nome de alguns autores, também perguntar e responder “como está o senhor?” — e duas ou três regras de gramática, lastrado todo esse saber com vinte palavras do léxico.
Não imaginas as grandes dificuldades com que lutei, para arranjar os quatrocentos réis da viagem! É mais fácil — podes ficar certo — aprender o javanês... Fui a pé. Cheguei suadíssimo; e, com maternal carinho, as anosas mangueiras, que se perfilavam em alameda diante da casa do titular, me receberam, me acolheram e me reconfortaram. Em toda a minha vida, foi o único momento em que cheguei a sentir a simpatia da natureza...
BARRETO, Lima. Contos completos de Lima Barreto. Companhia das Letras, 2010, com adaptações.
Tendo em vista as ideias e os sentidos do texto, julgue (C ou E) o item a seguir.
Ao mencionar o Timor, o narrador-personagem diz atacar o patriotismo de seu interlocutor (linha 37), que tem nacionalidade portuguesa, em razão de o Timor já ter sido uma colônia de Portugal e de ser uma localidade na qual se fala a língua portuguesa.