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Texto II
Eloquência singular
Mal iniciara seu discurso, o deputado embatucou:
– Senhor presidente: não sou daqueles que...
O verbo ia para o singular ou para o plural? Tudo indicava o plural. No entanto, podia perfeitamente ser o singular.
– Não ou daqueles que...
Não sou daqueles que recusam... No plural soava melhor. Mas era preciso precaver-se contra essas armadilhas da linguagem – que recusa? - ele que tão facilmente caía nelas, e era logo massacrado com um aparte. Não sou daqueles que... Resolveu ganhar tempo.
– … embora perfeitamente cônscio das minhas altas responsabilidades, como representante do povo nesta Casa, não sou...
Daqueles que recusa, evidentemente. Como é que podia ter pensado em plural? […]
– … daqueles que, em momentos de extrema gravidade, como este que o Brasil atravessa....
Safara-se porque nem se lembrava do verbo que pretendia usar:
– Não sou daqueles que...
Daqueles que o quê? Qualquer coisa, contanto que atravessasse de uma vez essa traiçoeira pinguela gramatical em que sua oratória lamentavelmente havia se metido logo de saída. Mas a concordância? Qualquer verbo servia, desde que conjugado corretamente, no singular. Ou no plural:
– Não sou daqueles que, dizia eu – e é bom que se repita sempre, senhor Presidente, para que possamos ser dignos de confiança em nós depositada...
Intercalava orações e mais orações, voltando sempre ao ponto de partida, incapaz de definir por esta ou aquela concordância. Ambas com aparência castiça. Ambas legítimas.
[…] Intercalou mais uma oração e foi em frente com bravura, disposto a tudo, afirmando não ser daqueles que...
– Como?
Acolheu a interrupção com um suspiro de alívio:
– Não ouvi bem o aparte do nobre deputado.
Silêncio. Ninguém dera aparte nenhum.
– Vossa excelência, por obséquio, queira falar mais alto, que não ouvi bem – e apontava, agoniado, um dos deputados mais próximos.
– Eu? Mas eu não disse nada...
[…]
O silêncio continuava. Interessados, os demais deputados se agrupavam em torno do orador, aguardando o desfecho daquela agonia […]
– Que é que você acha? - cochichou um.
– Acho que vai para o singular.
– Pois eu não: para o plural, é lógico.
O orador prosseguia sua luta:
– Como afirmava no começo do meu discurso, senhor Presidente...
Tirou o lenço de bolso e enxugou o suor da testa. Vontade de aproveitar-se do gesto e pedir ajuda ao próprio Presidente da mesa: por favor, apura aí pra mim como é que é, me tira desta...
– Quero comunicar ao nobre orador que o seu tempo se acha esgotado.
[…]
Resolveu arrematar de qualquer maneira. Encheu o peito e desfechou:
– Em suma: não sou daqueles. Tenho dito.
Houve um suspiro de alívio em todo o plenário, as palavras romperam. Muito bem! Muito bem! O orador foi vivamente cumprimentado.
SABINO, Fernando. Crônicas 4. São Paulo: Ática, 2002.
Segundo algumas gramáticas, determinadas regras de concordância verbal admitem mais de uma forma de flexão do verbo, dependendo da ênfase que o usuário da língua pretende dar a um dos elementos da oração. No texto, fica claro que esta regra se aplica à dúvida do político.
Indique a alternativa, a qual pode-se aplicar a mesma regra em questão.