Falei de esquisitices. Aqui está uma,(a) que prova ao mesmo tempo a capacidade política deste povo e a grande observação dos seus legisladores. Refiro-me ao processo eleitoral. Assisti a uma eleição que aqui se fez(b) em fins de novembro. Como em toda a parte, este povo andou em busca da verdade eleitoral. Reformou muito e sempre; esbarrava-se,(c) porém, diante de vícios e paixões,(d) que as leis não podem eliminar. Vários processos foram experimentados, todos deixados ao cabo de alguns anos. É curioso que alguns deles coincidissem com os nossos de um e de outro mundo. Os males não eram gerais, mas eram grandes. Havia eleições boas e pacíficas, mas a violência, a corrupção e a fraude inutilizavam em algumas partes as leis e os esforços leais dos governos. Votos vendidos, votos inventados, votos destruídos, era difícil alcançar que todas as eleições fossem puras e seguras. Para a violência havia aqui uma classe de homens, felizmente extinta, a que chamam pela língua do país, kapangas ou kapengas. Eram esbirros particulares, assalariados para amedrontar os eleitores e, quando fosse preciso, quebrar as urnas e as cabeças. Às vezes quebravam só as cabeças e metiam nas urnas maços de cédulas. Estas cédulas eram depois apuradas com as outras, pela razão especiosa de que mais valia atribuir a um candidato algum pequeno saldo de votos que tirar-lhe os que deveras lhe foram dados pela vontade soberana do país. A corrupção era menor que a fraude; mas a fraude tinha todas as formas. Enfim, muitos eleitores, tomados de susto ou de descrença, não acudiam às urnas.
Machado de Assis. A semana. Obra completa, v. III. Rio de Janeiro: Aguilar, 1973, p. 757.