Liberdade interior e consolação
Preceptor e ministro de Nero, profundamente envolvido com a vida política de seu tempo, Sêneca preocupou-se em encontrar para si mesmo e para todos aqueles que lhe eram caros um modo de vida cuja tônica fosse a liberdade interior. Seu intuito foi o de espelhar em seus [A] escritos as aspirações dos seres humanos [B] ocupados em encontrar em sua própria vida interior uma justificação para a existência, independentemente da realidade circundante. Para tanto, Sêneca esforçou-se por mostrar que o caminho para o maior dos desafios [C], o autodomínio, pode ser trilhado por qualquer indivíduo. Essa é uma lição oferecida explicitamente em suas Consolações, mas que também pode ser encontrada ao longo de toda sua obra, marcada pela tentativa de compreender os modos como a filosofia, especialmente o estoicismo, pode auxiliar os humanos a viver de modo harmônico tanto em relação a si quanto em relação ao mundo em que habitam.
Essa concepção da atividade filosófica levou Sêneca a redigir três Consolationes (consolos ou consolações), seguindo a tradição das “consolações filosóficas”: discursos, poemas, ensaios ou cartas pessoais de caráter consolatório, presentes na tradição antiga desde o século V a.C. São escritos normalmente endereçados a um amigo ou parente próximo que se encontra com um estado de espírito doloroso, em função da perda de um ente querido, de um amor não correspondido [D] ou de alguma situação na qual a pessoa se sinta frágil, frustrada por algum contratempo que lhe escapa ao controle. Com Sêneca, esse tipo de texto, embora visando a um destinatário preciso, amplia-se, a fim de alcançar um público mais vasto. Ele nos mostra que estar preparado para um revés da sorte é o caminho mais seguro para suportá-lo.
Consolar, para ele, não significará meramente acolher a dor alheia, trazer alívio imediato ao sofrimento ou ao desgosto, ou suavizar experiências emocionais devastadoras. Sua lição será a de mostrar-nos que, diante de um duro golpe da sorte [E], é preciso que nos conformemos, não no sentido de aceitar resignada e passivamente aquilo que não podemos modificar, mas no de aprender a dar forma a nossas vidas mesmo quando nossas expectativas são frustradas. Afinal, no seu dizer, grande parte daquilo que consideramos males são, na verdade, apenas erros de julgamento a respeito das coisas, das pessoas ou das situações em que nos encontramos. Nossas dores e aflições não teriam nenhum poder sobre nós, caso fôssemos capazes de manter nossa mente tranquila, precavendo-nos contra os nossos juízos imediatos, que tomam a realidade simplesmente por aquilo que nossos olhos veem ou nossos ouvidos ouvem. Sêneca tem em mente a ataraxia estoica, um estado de imperturbabilidade emocional que em sua filosofia adquire contornos mais suaves, tornando-se algo acessível ao homem comum.
Adaptado de: Dossiê Pra uma Vida Equilibrada da Revista Cult, Edição 143. OLIVEIRA, Luizir. Para uma Vida Equilibrada. Revista Cult. São Paulo, Edição. 143, 2010. Disponível em https://revistacult.uol. com.br/home/para-uma-vida-equilibrada/. Acesso em 10 fev. 2020.