Velhice
Vinícius de Moraes
Virá o dia em que eu hei de ser um velho experiente
Olhando as coisas através de uma filosofia sensata
E lendo os clássicos com a afeição que a minha mocidade não permite.
Nesse dia Deus talvez tenha entrado
definitivamente em meu espírito
Ou talvez tenha saído definitivamente dele.
Então todos os meus atos serão
encaminhados no sentido do túmulo
E todas as ideias autobiográficas da mocidade terão desaparecido:
Ficará talvez somente a ideia do testamento bem escrito.
Serei um velho, não terei mocidade, nem
sexo, nem vida
Só terei uma experiência extraordinária.
Fecharei minha alma a todos e a tudo
Passará por mim muito longe o ruído da
vida e do mundo
Só o ruído do coração doente me avisará de
uns restos de vida em mim.
Nem o cigarro da mocidade restará.
Será um cigarro forte que satisfará os
pulmões viciados E que dará a tudo um ar saturado de velhice.
Não escreverei mais a lápis
E só usarei pergaminhos compridos.
Terei um casaco de alpaca que me fechará os olhos.
Serei um corpo sem mocidade, inútil, vazio
Cheio de irritação para com a vida
Cheio de irritação para comigo mesmo.
O eterno velho que nada é, nada vale, nada vive
O velho cujo único valor é ser o cadáver de
uma mocidade criadora.
MORAES, Vinícius. Velhice. Disponível
em:http://www.viniciusdemoraes.com.br/pt-
br/ poesia/poesias-avulsas/velhice. Acesso: 23/9/17.