A completude não existe
Vira e mexe ouço alguém dizer: “Fulano não me completa”. Como se a completude existisse. Trata-se de um mito originário da Grécia que se perpetua no nosso imaginário. Segundo o mito, nos primórdios, a forma humana era uma esfera com quatro mãos, quatro pernas, duas cabeças e dois sexos. Os seres humanos se deslocavam para a frente e para trás e, ao correr, giravam sobre os oito membros. Seu orgulho e sua força eram tamanhos que, para enfraquecê-los, Zeus os cortou pela metade. Para os gregos, o corte deu origem ao amor, que junta as metades e de dois seres faz um.
Num de seus seminários, Lacan retomou esse mito para ensinar que, na verdade, o amor é “o desejo impossível de ser um quando há dois”. Noutras palavras, é o desejo impossível da completude já que o desejo de um sujeito nunca coincide inteiramente com o do outro. A coincidência que o amante pode celebrar é a da crença na liberdade do amado. Uma crença que se expressa assim: “Faça o que você deseja porque o seu desejo é o meu”. Com ela, a relação se renova continuamente e se perpetua, torna-se possível.
Isso significa que o egoísmo é incompatível com o amor e este requer uma educação especial. Que o próprio amor, aliás, oferece, porque ele torna os amantes inteligentes. A paixão cega, mas o sentimento amoroso ilumina. O amante não precisa perguntar ao amado o que este quer, pois quem ama sabe a resposta. […]
(Betty Milan. Veja. 1/04/2010. Edição 2161, ano 43, no 16.)