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Como tragédia climática 'dominó' pode ter efeito irreversível da Amazônia à Groenlândia

 

Os cientistas já alertaram que o aquecimento global pode de~encadear os chamados pontos de não retorno, ou tipping points, pontos críticos a partir dos quais as mudanças em um sistema podem ser abruptas e irreversíveis.

 

E agora um novo estudo indica que esses pontos de não retorno no sistema terrestre também podem se desestabilizar entre si, podendo levar a um efeito dominó de consequências climáticas globais.

 

Os autores do estudo, do Instituto Potsdam de Pesquisa de Impactos Climáticos, na Alemanha, simularam mais de três milhões de cenários passiveis em diferentes temperaturas.

 

E descobriram não apenas que um terço das simulações mostra efeitos em cadeia de pontos de não retorno, como que esses efeitos dominó também ocorrem com um aumento de temperatura de apenas 2 graus em comparação com a era pré-industrial.

 

As projeções atuais indicam que, caso não sejam tomadas medidas urgentes, o planeta caminha para um aumento de temperatura superior a 3ºC até o fim do século.

 

Ações desestabilizadoras

 

O estudo do Instituto Potsdam considera quatro possíveis pontos de não retomo e suas interações, com efeitos que podem ser desestabilizadores para outro sistema, estabilizadores ou ainda não compreendidos.

 

"O número e a força das interações desestabilizadoras são maiores do que os vínculos estabilizadores, de acordo com os dados usados no estudo", explica Nico Wunderling, um dos autores do estudo, à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.

 

O cientista destacou que o modelo computacional é "relativamente simples', pois considera apenas quatro pontos críticos, mas permitiu realizar milhões de simulações.

 

Os quatro tipping points estudados são: o derretimento do gelo na Groenlândia, as mudanças nas correntes do Atlântico, as modificações na Amazônia e o derretimento do gelo na Antártida Ocidental.

 

Antes de explorar suas passiveis interações, vamos ver separadamente o que a ciência diz sobre cada um desses possíveis pontos de não retorno.

 

1. Derretimento de gelo na Groenlândia

 

"Atualmente, há evidências com base em observações de que a massa de gelo da Groenlândia está encolhendo a um ritmo acelerado devido a uma combinação do derretimento da superfície e o desprendimento acelerado de icebergs", explica à BBC News Mundo Tim Lenton, professor de mudança climática e sistemas globais na Universidade de Exeter, no Reino Unido.

 

Lenton também destacou um estudo deste ano, segundo o qual parte do gelo na Groenlândia está mostrando "sinais iniciais consistentes com a aproximação de um ponto de não retomo" pelo seguinte processo de retroalimentação: o derretimento reduz a altura da massa de gelo, expondo-a ao ar mais quente em altitudes mais baixas, 0 que por sua vez causa maior perda de gelo.

 

2. Derretimento do gelo na Antártida Ocidental

 

"Também há evidências observacionais consistentes com o fato de que parte da plataforma de gelo da Antártida Ocidental - a Geleira da Ilha Pine e a Geleira Thwaites, na região do Mar de Amundsen - pode ter passado potencialmente de um ponto de não retorno no que diz respeito ao retrocesso irreversível da linha de apoio (ponto em que uma massa de gelo ao ser introduzida no mar se separa da rocha e começa a flutuar no oceano)".

 

"Os modelos indicam um recuo irreversível com os níveis atuais de aquecimento do oceano e sugerem que a perda desta parte do gelo na Antártica Ocidental pode desestabilizar grande parte do resto".

 

3. AMOC, o sistema de correntes do Atlântico

 

Um elemento-chave do sistema terrestre que pode interligar mudanças a milhares de quilômetros de distância é a Circulação Meridional de Capotamento do Atlântico (AMOC, na sigla em inglês), mais conhecida como corrente termohalina atlântica.

 

"A AMOC é um sistema de correntes no Oceano Atlântico que transporta águas quentes para o norte e águas frias para o sul", diz a oceanógrafa física mexicana Alejandra Sánchez-Franks à BBC News Mundo.

 

A cientista trabalha no programa RAPID MOC do Centro Nacional de Oceanografia do Reino Unido, que monitora esse sistema de correntes.

 

"Em geral, a corrente flui na superfície, que tem aproximadamente 1000 metros de espessura, e move essas águas quentes e rasas para o norte onde se tornam águas frias e profundas que depois são deslocadas de volta para o sul".

 

A pesquisadora explicou o que significa para a AMOC ser uma corrente "termohalina" (expressão derivada do grego - "termo" se refere à temperatura, e "halo" ao sal).

 

"Isso quer dizer que as características mais importantes da corrente são a temperatura e a salinidade, que são as propriedades que determinam a densidade de uma massa oceânica".

 

Sánchez-Franks observa que as massas oceânicas de água quente que se deslocam na superfície do mar dos trópicos até as regiões polares vão esfriando durante seu deslocamento em direção ao norte.

 

"O resfriamento dessas águas superficiais faz com que elas se tornem mais densas e afundem. A massa oceânica, agora mais fria e densa, começa seu deslocamento para o sul, nas profundezas do oceano. Isso é o overtuming ou capotamento".

 

O que preocupa os cientistas é que, de acordo com alguns estudos, todo esse sistema de correntes atlânticas desacelerou em 15% desde meados do século 20.

 

4. Mudanças na Amazônia

 

"Nossos cálculos mostram que se entre 20% e 25% da Floresta Amazônica desaparecer, a duração da estação de seca e a temperatura vão aumentar e isso pode fazer com que a floresta tropical de origem a uma vegetação diferente, de savana".

 

É o que afirmou à BBC News Mundo o cientista brasileiro Carlos Nobre, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP e especialista em Amazônia, que trabalhou por 35 anos no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

 

Esta possível mudança na vegetação se deve a um fator crucial na Floresta Amazônica: a selva gera parte de sua própria chuva.

 

Quando a chuva cai, essa água é capturada pelas raízes das árvores, que a liberam novamente por meio da transpiração para a atmosfera, onde formam nuvens e chuvas novamente.

 

Devido a essa reciclagem de água, quando uma parte da floresta tropical é eliminada, chove menos, o que prolonga a estação de seca.

 

"A maior preocupação vem de observações do que vem acontecendo no clima e na floresta nas últimas décadas", diz Nobre.

 

"Em grande parte do sul da Amazônia, a estação de seca é de três a quatro semanas maior em comparação com a década de 1980 e também cerca de 3°C mais quente".

 

"Nessa grande área de mais de 2 milhões de km2, a Floresta Amazônica está perdendo sua capacidade de reciclar água".

 

Possíveis interconexões a milhares de km

 

"O sistema terrestre está todo interligado: atmosfera, oceanos, continentes, vegetação, biodiversidade e ações humanas que interferem no equilíbrio planetário", afirma Nobre.

 

Nesse sistema interconectado, um ponto de não retorno pode afetar outros

 

Por exemplo, "um rápido derretimento do gelo na Groenlândia vai liberar água doce, que é mais leve (do que a água com salinidade mais alta) e não afunda rapidamente no Atlântico Norte, onde se origina a circulação termohalina ou AMOC".

 

Isso tornaria a AMOC mais lenta, acrescenta Nobre.

 

"Se a AMOC enfraquecer de maneira geral, como de fato está acontecendo, as correntes oceânicas superficiais que levam águas quentes para o norte do Atlântico levarão menos calor para fora dos trópicos, então o Atlântico Tropical Norte ficará mais quente. Isso, por sua vez, resulta em dois efeitos climáticos extremos: "águas mais quentes nessa região geram furacões mais fortes, exatamente o que temos visto na última década. E também provoca um movimento ascendente do ar sobre as águas mais quentes com um movimento compensatório descendente sobre partes da Amazônia (a chamada circulação de Hadley). Este ar descendente provoca secas, algumas extremas como as de 2005 e 2010", observa Nobre.

 

Tim Lenton acrescenta ainda que o enfraquecimento da AMOC pode interferir nas monções (mudanças sazonais que causam fortes chuvas) na Índia, causar secas no Sahel (norte da África) e transportar menos calor para o norte e deixar mais quente o Oceano Antártico, ameaçando as plataformas de gelo na Antártida.

 

Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-57578583. Acesso em 29/06/2021. Texto adaptado.

 

Considere o seguinte trecho: "Os cientistas já alertaram que o aquecimento global pode desencadear os chamados pontos de não retorno, ou tipping points, pontos críticos a partir dos quais as mudanças em um sistema podem ser abruptas e irreversíveis". O uso das vírgulas, no trecho grifado e no contexto em que se apresentam, justifica-se por tratar-se de:



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