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O conceito de medicamento como agente de cura já era associado ao  seu potencial de dano pelas civilizações arcaicas da Mesopotâmia e do Egito. O  termo shêrtu, que aparece  nos  manuscritos  da  época,  tem  significado simultâneo  de  doença,  pecado  e  castigo  divino.  Somente por  meio  da  catarse,  em  que  era  atribuído  um  conteúdo mágico  ao  medicamento,  o  indivíduo  alcançaria  a purificação de seus pecados e o restabelecimento da saúde por intervenção dos deuses. 

 

Esses conceitos influenciaram o entendimento da patologia e da terapêutica durante muitos séculos e persistem, em alguns aspectos, até hoje. A palavra fármaco tem origem no termo grego pharmak, que significa “aquilo que  tem  o  poder  de transladar as impurezas”. Entre os gregos, vítimas dos sacrifícios oferecidos aos deuses eram chamadas de pharmakó, e o alimento utilizado durante as cerimônias de comunhão era o phármakon, que significava aquilo que poderia trazer tanto o bem quanto o mal, manter a vida ou causar a morte. Esse vocábulo passou a integrar a  terminologia médica grega e chegou até os dias atuais com o nome de fármaco. 

 

A  concepção  do  medicamento  como  potencial causador de dano manifestou‐se também durante a Idade Média. No  século X,  foi criada, em Salerno, na Itália, uma comunidade de médicos que estudava, compendiava e ensinava a medicina. Uma das atribuições da instituição era a  de  fiscalizar  a  comercialização  de  medicamentos,  com autoridade  para  enforcar  vendedores  de  elixires mágicos, poções  ou  drogas  nocivas  que  tivessem  levado  à  morte aqueles que os utilizaram. Somente no final do século XIX, foram  criadas  as  primeiras  comissões  para  investigar  os danos associados ao uso de medicamentos, inicialmente em razão de inúmeros relatos de mortes súbitas durante anestesia com clorofórmio.  

 

O fato mais marcante relacionado ao uso de medicamentos ocorreu em 1961, com o surto de focomelia, termo grego que caracteriza um processo de deformidades (atrofia ou ausência ) dos membros inferiores e superiores, que  faz  parecer  uma  foca.  Um  total  de  10.000  crianças nasceram  deformadas  na  Alemanha  Oriental  em consequência  do  uso  de  talidomida  pelas  grávidas,  um hipnótico não barbitúrico empregado para tratar ansiedade e insônia, prescrito, à época, para tratamento de náuseas e vômitos  matutinos,  sendo  que  mais  da  metade  desses recém‐nascidos  morreu.  Estudos  epidemiológicos comprovaram os efeitos  teratogênicos da  talidomida. Nos Estados  Unidos  da  América,  praticamente  não  houve incidentes  relacionados  a esse  fármaco,  pois  a  FDA  (Food and  Drug  Administration,  instituição  criada  em  1938, equivalente  à  Anvisa  brasileira )  o  havia  retirado  do mercado,  em  razão  de  evidências  que  o  associavam  ao hipotiroidismo e à neuropatia periférica. 

 

Nesse cenário, foram iniciados os primeiros estudos com enfoque na utilização  racional de medicamentos, em resposta  à  necessidade  de  se  conhecer  e  relatar  os problemas  relacionados  ao  uso  inadequado  desses  e  à elevada morbimortalidade a eles associada

 

Daniel Fábio Kawano, Leonardo Régis Leira Pereira, Julieta Mieko Ueta e Osvaldo de Freitas. Acidentes com os medicamentos: como minimizá‐los? In: Revista Brasileira de Ciências Farmacêuticas, v. 42, n.º 4, out./dez. 2006, p. 487‐495 (com adaptações).

 

Sem  provocar  alterações  nos  sentidos  originais  do  texto,  o  termo “medicamento” pode ser substituído por

 



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