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Prefeitura Municipal de Vermelho Novo
Questão 1 de 1
Assunto: Sem classificação

Leia o texto a seguir para responder a questão a seguir.  

Caso de canário

 

Casara-se havia duas semanas. Por isso, em casa dos sogros, a família resolveu que ele é que daria cabo do canário:

 

– Você compreende. Nenhum de nós teria coragem de sacrificar o pobrezinho, que nos deu tanta alegria. Todos somos muito ligados a ele, seria uma barbaridade. Você é diferente, ainda não teve tempo de afeiçoar-se ao bichinho.

 

Vai ver que nem reparou nele, durante o noivado.

 

– Mas eu também tenho coração, ora essa. Como é que vou matar um pássaro só porque o conheço há menos tempo do que vocês?

 

– Porque não tem cura, o médico já disse. Pensa que não tentamos tudo? É para ele não sofrer mais e não aumentar o nosso sofrimento. Seja bom, vá.

 

O sogro e a sogra apelaram no mesmo tom. Os olhos claros de sua mulher pediram-lhe com doçura:

 

– Vai, meu bem.

 

Com repugnância pela obra de misericórdia que ia praticar, ele aproximou-se da gaiola. O canário nem sequer abriu o olho. Jazia a um canto, arrepiado, morto-vivo. É, esse está mesmo na última lona e dói ver a lenta agonia de um ser tão precioso, que viveu para cantar.

 

– Primeiro me tragam um vidro de éter e algodão. Assim ele não sentirá o horror da coisa. Embebeu de éter a bolinha de algodão, tirou o canário para fora com infinita delicadeza, aconchegou-o na palma da mão esquerda e, olhando para outro lado, aplicou-lhe a bolinha no bico.

 

Sempre sem olhar para a vítima, deu-lhe uma torcida rápida e leve, com dois dedos no pescoço.

 

E saiu para a rua, pequenino por dentro, angustiado, achando a condição humana uma droga. As pessoas da casa não quiseram aproximar-se do cadáver. Coube à cozinheira recolher a gaiola, para que sua vista não despertasse saudade e remorso em ninguém. Não havendo jardim para sepultar o corpo, depositou-o na lata de lixo.

 

Chegou a hora de jantar, mas quem é que tinha fome naquela casa enlutada? O sacrificador, esse, ficara rodando por aí, e seu desejo seria não voltar para casa nem para dentro de si mesmo.

 

No dia seguinte, pela manhã, a cozinheira foi ajeitar a lata de lixo para o caminhão, e recebeu uma bicada voraz no dedo.

 

– Ui!

 

Não é que o canário tinha ressuscitado, perdão, reluzia vivinho da silva, com uma fome danada?

 

– Ele estava precisando mesmo era de éter – concluiu o estrangulador, que se sentiu ressuscitar, por sua vez.

 

(DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. Elenco de cronistas modernos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1976.)

 

Em “É, esse está mesmo na última lona e dói ver a lenta agonia de um ser tão precioso, que viveu para cantar.”, a expressão “estar na última lona” significa:


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