Hollywood dentro de nós
A cultura norte-americana, mais do que qualquer outra, vive e pensa a coletividade como um conjunto de indivíduos. Para um europeu ou um sul-americano, comemorar, explicar e mesmo narrar um acontecimento é, no minimo, problemáticob sem explorar sua dimensão propriamente social: o encontro ou a luta de ideias, classes. nações, grupos. grandes interesses econômicos, etc.
Hollywood, com a força de seu cinema, só podia nascer numa cultura em que, seja qual for a dimensão social dos fatos, toda
experiência toma a forma de uma história de aventuras. Nesse tipo de cultura. qualquer história de vida promete um roteiro de filme.
Criticamos ou desprezamos Hollywood pelas simplificaçõesc, pelos silêncios e pelas ignorâncias, talvez inevitáveis, ao reduzir a complexidade da história às andanças singulares dos indivíduos. Mas, no fundo, essa crítica se endereça a nós mesmosd. Defendemos um entendimento do mundo em que causas e conflitos coletivos são mais importantesa que a epopeia dos indivíduos. No entanto, a crítica do reducionismo de Hollywood é a maneira que encontramos para reprimir uma dimensão crucial da nossa própria experiência: o mundo nos interessa só porque constitui o cenário da aventura das nossas vidas. Hollywood, desprezada, cativa-nos e fascina-nos porque glorifica um individualismo que é nosso.e Portanto envergonhados, entremos no cinema .
(Adaptaddo e : CALLIGARIS, Contardo. Terra de ninguém . São Paulo: Publifolha. 2004. p. 322-323)