Enunciados de questões e informações de concursos

Liberdade adiada

 

Sentia-se cansada. A barriga, as pernas, a cabeça, o corpo todo era um enorme peso que lhe caía irremediavelmente em cima. Esperava que a qualquer momento o coração lhe perfurasse o peito, lhe rasgasse a blusa.

 

Como seria o coração?

 

Teria mesmo aquela forma bonita dos postais coloridos?

 

… Será que as dores deformam os corações?

 

Pensou em atirar a lata de água ao chão, esparramar-se no líquido, encharcar-se, fazer-se lama, confundir-se com aqueles caminhos que durante anos e mais anos lhe comiam as solas dos pés, lhe queimavam as veias, lhe roubavam as forças.

 

Imaginou os filhos que aguardavam e já deviam estar acordados. Os filhos que ela odiava!

 

Não. Não voltaria para casa.

 

O barranco olhava-a, boca aberta, num sorriso irresistível, convidando-a para o encontro final.

 

Conhecia aquele tipo de sorriso e não tinha boas recordações dos tempos que vinham depois. Mas um dia havia de o eternizar. E se fosse agora, no instante que madrugava? A lata e ela, para sempre, juntas no sorriso do barranco.

 

Gostava de sua lata de carregar água. Tratava bem a lata. Às vezes, em momentos de raiva ou simplesmente indefinidos, areava uma, dez, mil vezes, até que sua lata ficava a luzir e a cólera, ou a indefinição se perdiam no brilho prateado. Com o fundo de madeira que tivera que mandar colocar, ficou mais pesada, mas não eram daí os seus tormentos.

 

À borda do barranco, com a lata de água à cabeça e a saia batida pelo vento, pensou nos filhos e levou as mãos ao peito.

 

O que tinha a ver os filhos com o coração? Os filhos… Como ela os amava, Nossenhor!

 

Apressou-se a ir ao encontro deles. O mais novito devia estar a chamar por ela.

 

Correu deixando o barranco e o sonho de liberdade para trás.

(Dina Salústio. Mornas eram as noites. Adaptado)

 

A regência verbal e a regência nominal estão em conformidade com a norma-padrão em:



spinner
Ocorreu um erro na requisição, tente executar a operação novamente.