“Muito bem”, disse em resposta à intervenção do camponês. “Aceito que eu sei e vocês não sabem. De qualquer forma, gostaria de lhes propor um jogo que, para funcionar bem, exige de nós absoluta lealdade. Vou dividir o quadro-negro em dois pedaços, em que irei registrando, do meu lado e do lado de vocês, os gols que faremos eu, em vocês; vocês, em mim. O jogo consiste em cada um perguntar algo ao outro. Se o perguntado não sabe responder, é gol do perguntador. Começarei o jogo fazendo uma primeira pergunta a vocês.”
[...]
Primeira pergunta:
– Que significa a maiêutica socrática?
Gargalhada geral e eu registrei o meu primeiro gol.
– Agora cabe a vocês fazer a pergunta a mim – disse.
Houve uns cochichos e um deles lançou a questão:
– Que é curva de nível?
Não soube responder. Registrei um a um.
– Qual a importância de Hegel no pensamento de Marx?
Dois a um.
– Para que serve a calagem do solo?
Dois a dois.
– Que é um verbo intransitivo?
Três a dois.
– Que relação há entre curva de nível e erosão?
Três a três.
– Que significa epistemologia?
Quatro a três.
– O que é adubação verde?
Quatro a quatro.
Assim, sucessivamente, até chegarmos a dez a dez. Ao me despedir deles lhes fiz uma sugestão: “Pensem no que houve esta tarde aqui. Vocês começaram discutindo muito bem comigo. Em certo momento ficaram silenciosos e disseram que só eu poderia falar porque só eu sabia e vocês não. Fizemos um jogo sobre saberes e empatamos dez a dez. Eu sabia dez coisas que vocês não sabiam e vocês sabiam dez coisas que eu não sabia. Pensem sobre isto”.
FREIRE, P. Pedagogia da Esperança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. p. 24. Adaptado.