O sol vinha nascendo molhado na praia de Copacabana. A indecisão do tempo, a manhã vagabunda nos olhos sonolentos dos moradores de rua, o trabalho inconsequente das ondas em seu fazer e desfazer, tudo isto comprometia o cooper de Cida. A moça foi diminuindo o passo.
Ela era uma desportista natural. Corria o tempo todo querendo talvez vazar o minguado tempo de viver. Era preciso buscar sempre. O que tinha ficado para trás, o agora e o que estava para vir.
De manhã, depois da corrida, ia à padaria, passava pela banca de jornal e trazia entre os dedos as notícias do dia que eram mal lidas.
Rapidamente, graças ao curso de leitura dinâmica que fizera uns anos atrás, corria os olhos pelas manchetes tentando apreender acontecimentos.(c) Em casa, corria ao banho, ao quarto, à sala, à cozinha. Fervia o leite, arrumava a mesa, voltava ao quarto, avançava sobre o guarda-roupa e atracava-se ao uniforme de trabalho; logo depois já estava na sala fechando a porta e indo. Voava pelas escadas, pois o elevador era lento e no constante cooper ganhava a rua. Corria sobre a corda bamba invisível e opressora do tempo. Era preciso avançar sempre e sempre.(d)
Ela era vencedora de outras distâncias.(a) Já saltara montanhas e divisas de um tempo-espaço que ficara para trás. Como era mesmo a sua cidade natal? Não sabia bem Lembrava-se, entretanto, de que as pessoas eram lentas.
Andavam, falavam e viviam de-va-gar-zi-nho. A vida era de uma lerdeza tal, que algumas mulheres esqueciam-se de parir seus rebentos. A barriga crescia até aos onze meses. As crianças nasciam moles, desesperadamente calmas e adiavam indefinidamente o exercício de crescer.
Cida desde pequena guardava um sentimento de urgência. Seu corpo aos nove anos maturou-se no sangue mensal de mulher. As suas brincadeiras prediletas, ainda nessa época, eram a de apostar corrida com as crianças e a de desafiar grandes e pequenas, no tempo gasto para a execução de qualquer tarefa. Vencia sempre, utilizando um tempo diminuto em relação a todos.
Aos onze anos, Cida foi pela primeira vez ao Rio com a mãe, em viagens de negócios. A mãe reclamava da velocidade dos carros, do amontoado e da correria das pessoas, do vai e vem de todos. Cida bebeu enlouquecida o zigue-zague dos carros, das pessoas, dos pés quase voantes dos pedestres desafiando, vencendo e encontrando a morte.(b) Descobriu no turbilhão da cidade um jogo de caleidoscópio formado por peças, gente-máquinas se cruzando entrecortando braços, rodas, cabeças, buzinas, motos, pés, pernas e corpos aromatizados pela essência da gasolina. Cida descobriu outras pessoas também portadoras da urgência de vida que ela trazia em si. Naquele momento optou por retornar um dia para ficar ali. Tinham razão, a cidade era maravilhosa.
CONCEIÇÃO EVARISTO In: Olhos d'água. 1. ed. Rio de Janeiro: Pallas: Fundação Biblioteca Nacional, 2016.