A história da medicina é a história de duas marchas simultâneas; de um lado, o entendimento sobre o corpo humano e sobre o processo saúde-doença passou das causalidades exteriores ao homem para os conhecimentos que localizam no próprio ser humano a sede dos fenômenos biológicos de que é objeto. De outro lado, o ser humano, que uma vez foi tido como pertencente a entidades exteriores ao homem e sobrenaturais, com o tempo foi considerado como senhor de seu próprio corpo e possuidor da sua própria autonomia inalienável.
O Código de Ética Médica de 2010 compreende a saúde e a morte do ser humano como fenômenos ligados intrinsecamente à condição intensamente humana de cada paciente, ao mesmo tempo em que reconhece a centralidade dos conhecimentos científicos para a prática da medicina que valorize a dignidade do indivíduo. É por isso que cabe ao médico, por exemplo, aconselhar um casal em idade fértil sobre as diversas possibilidades de controle da natalidade; também pelos mesmos motivos a inseminação artificial dos casais inférteis é motivo de preocupação dos médicos.
A recente resolução do Conselho Federal de Medicina, que disciplina o testamento vital – o documento em que o cidadão pode inscrever os cuidados de saúde que pretende ou não receber – é a mostra do resultado dessa conquista, fruto da dupla evolução da medicina; ela mostra que o cidadão brasileiro, cônscio dos destinos da sua própria vida, livre de interferências etéreas e indefiníveis, mas dentro do seio de sua família e a partir de uma relação médico-paciente estabelecida, pode e deve decidir dignamente sobre os rumos da sua própria vida, de modo autônomo e sem qualquer consideração que o culpe caso decida abreviar sofrimentos. A vida e a morte do indivíduo não são mais uma determinação de uma vontade alheia a ele, humana ou sobrenatural.
BISCAIA. Leonardo. O caráter profundamente humano do testamento vital. Disponível em: <http://www.crmpr.org.br/O+carater+profundamente+humano+do+testamento+vital+13+886. shtml>. Acesso em: 15 set. 2014.