– Trinta e um, hem, meu velho?
Filipe Lobo deu uma palmadinha amistosa no ombro de Eugênio, que como única resposta sorriu melancolicamente, baixando os olhos para o cálice de vinho.
Eunice mandou a criada servir os gelados. O jantar chegava a seu termo. Cintra se inclinou para Dora e perguntou:
– Que é que tem você hoje, menina?
– Eu? – Dora pareceu despertar de repente dum sonho. Arregalou os olhos em exagerado espanto, fez um meio sorriso e, como se a estivessem acusando dum crime tremendo, defendeu-se: – Eu? Eu não tenho nada, estou até muito bem...
Cintra acendeu um charuto e riu a sua risada baixa e lenta, enquanto sacudia a cabeça grisalha.
– Depois do jantar a Dora vai cantar... – anunciou para os outros, soltando uma baforada de fumaça.
A moça deu um pequeno pulo na cadeira.
– Oh! Não tem graça.
– Não se discute... – Cintra falava com os dentes apertados, mordendo o charuto. – Não se discute.
O peito engomadoI da camisa e a gola do smoking brilhavam. Os olhos se lhe entrecerravamII com brilho brincalhão por trás da fumaça, ao passo que ele ria a sua risada interminável e enigmática.
Eugênio olhou para o sogro. Não lhe queria mal, compreendia os esforços que ele fazia para lhe tornar a existência naquela casa fácil e agradável. Viviam numa cordialidade meio convencionalIII, dir-se-iam amadores de teatro representando uma alta comédia. O velho Cintra gostava de fazer o papel de gentleman repousado e paternal. Era limpo e saudável, lembrava esses cavalheiros idosos, mas corados e rijos, que aparecem sorrindo em lindas tricromias, dizendo: “Eu sou assim porque tomei tal remédio”. Tinha um cuidado meticuloso com suas roupas, manicurava as unhas e jogava golfe no Country Club.
Adaptado de VERISSIMO, E. Olhai os lírios do campo. 71 ed. São Paulo: Globo, 1995.