O ano de 1818 é considerado o mais feliz de toda a temporada brasileira de D. João VI. Apesar das dificuldades financeiras da Coroa, o reino estava em paz, o monarca gozava de boa saúde, Carlota Joaquina tinha sido derrotada nas suas conspirações, a colônia enriquecia e prosperava, os hábitos tinham mudado no Rio de Janeiro e, na Europa, a ameaça de Napoleão tornara-seI apenas uma lembrança distante. Derrotado por Lord Wellington na Batalha de Waterloo, em 1815, o imperador francês estava preso havia três anos na Ilha de Santa Helena, um rochedo remoto e solitário no Atlântico Sul. Mesmo empobrecida, restava à corte portuguesa celebrar e aproveitar o clima ameno e tranquilo do Rio de Janeiro. O sonho de D. JoãoII, de reconstruir seu império nos trópicos, pareciaII enfim ter chances de se realizar. Era uma ilusão. Dentro de dois anos, acontecimentos inesperados dos dois lados do Atlântico o obrigariam a mudar de planos e a reassumir o papel que o destino lhe havia imposto – o de um rei forçado a agir sempre na defensiva, pressionado por eventos que não estavam sob seu controle.
O breve período de festejos da corte portuguesa no Brasil começou em 1817, ano do casamento e do desembarque da princesa Leopoldina, e prosseguiu com a aclamação, a coroação e o aniversário do rei D. João VI, no ano seguinte. A morte da rainha Maria, aos 82 anos, na prática não mudava muita coisa. Haviam passado mais de duas décadas que D. João já ocupava o trono – desde que a mãe dementeIII tinha sido considerada incapaz de governar. Ainda assim, fezIII questão de assumir oficialmente a coroa, com pompa e circunstância. Antes teve de debelar a revolução pernambucana e casar seus três filhos, incluindo o primogênito e herdeiro do trono, D. Pedro. A coroação aconteceu em 6 de fevereiro de 1818. Foi a primeira e única vez que um soberano europeu foi aclamado na América. “Desde o desembarque de dona Leopoldina até o aniversário de D. João, a corte do Rio de Janeiro foi, por assim dizer, uma festa só”, observou o historiador Jurandir Malerba. “O Rio tornou-se nesses dias grandiosos da monarquia, literalmente, o anfiteatro onde a família real fez representar com esplendor os momentos mais elevados de sua passagem pelo Brasil”.
Adaptado de GOMES, L. 1808. Como uma rainha louca,
um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007.