Desafio de dar auxílio rápido na crise revela: o Brasil não conhece o Brasil
Há pouco mais de dez dias, o Brasil leva a cabo uma verdadeira operação de guerra para fazer com que o auxílio emergencial de R$ 600,00 chegue aos trabalhadores mais prejudicados pela pandemia do novo coronavírus.
São diários, no entanto, relatos de pessoas dormindo em filas para atualizar dados cadastrais ou de trabalhadores que passam horas na Receita Federal para regularizar o CPF.
De fato, não é simples colocar para funcionar um sistema de transferência de renda tão complexo, que custará aos cofres públicos 98 bilhões de reais em três meses. Ao redor do mundo, cerca de oitenta países também têm desenhado políticas públicas de assistência social em meio à emergência de saúde pública, segundo informações do líder global de assistência social do Banco Mundial, Ugo Gentilini.
Mas, além dessa operação ser complexa por natureza, o Brasil enfrenta um agravante: o caos em sua base de dados públicos que registra a composição familiar nos lares brasileiros, informação essencial para que o governo avalie a necessidade de se receber o auxílio emergencial.
“Nós temos muitos registros administrativos, como o e-social, o Dataprev e o DataSUS, mas só dois pegam composição familiar, o Cadastro Único e a Receita Federal. Todo o resto é registro de pessoas, o que não serve muito para essa política de transferência de renda”, diz Luís Henrique Paiva, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
Atualmente, o CadÚnico contém cerca de 73 milhões de brasileiros, o equivalente a 27 milhões de famílias, que estão nas classes mais vulneráveis. Esse banco de dados é usado em mais de trinta políticas de assistência social, a principal delas o Bolsa Família. Já a Receita Federal compreende o topo da pirâmide econômica, mas os dados são protegidos por sigilo e inacessíveis.
Apesar de robustos, esses cadastros não compreendem a massa de brasileiros que não recebem nem assistência social, nem ganham o suficiente para declarar o imposto de renda. De acordo com dados do Ministério da Cidadania, cerca de 25 milhões de brasileiros não têm registro em nenhuma base de dados do governo ou não tem formalização da atividade. “Como essas pessoas serão atingidas?”, questionou o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, no início do mês.
Em 7 de abril, a Caixa começou a pagar o benefício exatamente para os elegíveis pelo CadÚnico. Esses não precisaram nem se cadastrar no aplicativo disponibilizado pelo governo e o dinheiro tem sido depositado automaticamente. Segundo a Caixa, 21 milhões de famílias se encaixaram nos pré-requisitos do programa.
Já os que precisaram se cadastrar no aplicativo só começaram a receber neste último fim de semana. Informações do Dataprev, órgão que está processando os pedidos, mostram que 42,2 milhões de pessoas já se cadastram. Deste total, 24,2 milhões já receberam o dinheiro.
Além da criação do aplicativo e do processamento dos dados, a Caixa também deve criar 30 milhões de poupanças sociais digitais para pagar o auxílio emergencial. Para muitos brasileiros, essa será a primeira vez na vida que terão conta em banco.
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