TEXTO II
Dize-me teu nome e te direi quem és
“O que há num nome?”, perguntou Julieta a Romeu. E Romeu poderia ter respondido: “Muito. E ainda mais no futebol.”
O nome de um jogador é sua marca, sua identidade. “Pelé”, por exemplo, é rápido, ágil, musical. Aliás, muitos nomes de atacantes têm duas sílabas para indicar a molecagem e a ligeireza desses jogadores. Por isso temos Zico, Zinho, Vavá, Pepe, Tostão, Tuta [...] Didi, Dadá, Dodô e tantos outros. Isso chega a tal ponto que até nosso primeiro grande craque, imponentemente batizado como Friedenreich, virou Fried.
Já os defensores, como jogam num lugar impróprio para brincadeiras, numa posição que exige respeito e seriedade, em geral têm nome e sobrenome. Assim surgiram Mauro Galvão, Ricardo Rocha, Ricardo Gomes, Wilson Gottardo [...] Mauro Pastor, etc.
Mas o exemplo mais claro da importância dos nomes vem dos árbitros, que, como precisam ser mais respeitados que os próprios jogadores, geralmente possuem nada menos do que três nomes. Exemplos? Ei-los: José de Assis Aragão, Arnaldo César Coelho [...] e até a bela bandeirinha Ana Paula de Oliveira.
Julieta também diz que “uma rosa teria o mesmo cheiro se tivesse outro nome.”. Não sei se é verdade.
Os nomes fazem parte das coisas. Duvido que, caso a rosa se chamasse “hemorroida”, fizesse o mesmo sucesso. O célebre cartão de namorados mudaria para “Uma hemorroida para uma hemorroida”, e isso não me parece tão romântico assim.
Os sons das palavras têm um significado em si. E há, ainda, o próprio significado. Por exemplo, Heleno vem do grego “tocha”. E assim compreendemos por que o lendário Heleno de Freitas (que jogou, é claro, no Botafogo) foi um cabeça quente, um homem de alta combustão que podia explodir a qualquer hora.
[...]
Pelos nomes podemos entender melhor os jogadores, mas também compreendemos um pouco mais dos torcedores. Os nomes revelam, por exemplo, o imenso afeto que a torcida possui por seus ídolos. Basta ver a imensa quantidade de “inhos” que há por aí. Sem pensar muito, lembro de Nelsinho, Vaguinho, Mazinho, Marcelinho, Ricardinho, Sylvinho [...]. Toninhos, então, há às pencas. É preciso até recorrer a um complemento para que eles se diferenciem um dos outros, como é o caso de Toninho Guerreiro, Toninho Metralha, Toninho Cerezo e até de um Toninho Vanusa.
O “-inho” é uma das características mais interessantes, penso eu, do português do Brasil. Usamos esse sufixo para designar algo ou alguém pequeno, mas também algo ou alguém por quem temos carinho. Aliás, não por coincidência, a palavra carinho também termina em “-inho”. Nossa bebida típica é o cafezinho (ou a caipirinha), gostamos de um feijãozinho e nossa seleção é canarinho.
O “-inho” deixa o nome ou apelido mais afetuoso, como se o jogador mantivesse ainda algumas características infantis. Não há nenhuma relação com o físico do nomeado, tanto que o ex-centroavante Serginho tem quase dois metros de altura.
Nas outras línguas, não existe nada que se assemelhe ao “-inho”. Os ingleses colocam um Little antes do nome ou um y depois, formando Little John ou Johnny, mas não é a mesma coisa. [...] Já os espanhóis tentam o Juanito, mas aquele áspero t quebra a doçura do apelido. Por isso é que Joãozinho é um nome intraduzível. Tanto quanto a bandeira nacional, a feijoada, o samba ou o drible, o “-inho” é uma marca da brasilidade.
Mas isso está mudando. Os “-inhos” estão em extinção. Temos ainda um Robinho e dois Ronaldinhos, mas parece que dirigentes e empresários não gostam que seus contratados tenham nomes no diminutivo. Isso desvaloriza sua mercadoria e, assim, para dar uma impressão de maior profissionalismo, vão surgindo os Alex Alves, os Wellington Amorim, os Rafael Moura e os Rodrigo Tabata. Saem os “-inhos”, entram os sobrenomes.
E talvez não sejam apenas os nomes no futebol que estão mudando. Talvez o próprio país já não seja mais tão moleque, tão travesso. O que, sinceramente, não sei se é bom ou ruim.
TORERO, José Roberto. Dize-me teu nome e te direi quem és. Revista Língua Portuguesa Especial:
Futebol e Linguagem, p. 46-47, abr. 2006.