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Texto II

 

A PROFESSORA E A MALETA

 

A Professora era gorducha; a maleta também. A Professora era jovem; a maleta era velha, meio estragada [...].

 

A Professora gostava de ver a classe contente, mal entrava na aula e já ia contando uma coisa engraçada. Depois abria a maleta e escolhia o pacote do dia. Tinha pacote pequenininho, médio, grande, tinha pacote embrulhado em papel de seda, metido em saquinho de plástico, tinha pacote de tudo quanto é cor; não era à toa que a maleta ficava gorda daquele jeito.

 

Só pela cor do pacote as crianças já sabiam o que é que ia acontecer: pacote azul era dia de inventar brincadeira de juntar menino e menina; não ficava mais valendo aquela história mofada de menino só brinca disso, menina só brinca daquilo, meninos do lado de cá, meninas do lado de lá. Pacote cor-de-rosa era dia de aprender a cozinhar. A Professora remexia no pacote, entrava e saía da classe e, de repente, pronto! montava um fogão com bujãozinho de gás e tudo. Era um tal de experimentar receita que só vendo.

 

[...] E tinha um pacote branco que só servia pra Professora esconder e pra turma brincar de achar. Quem achava ia pro quadro-negro dar aula. [...]

 

No dia que Alexandre achou o pacote, resolveu contar pra turma como é que ele vendia amendoim na praia. No melhor da aula, um grupo de pais de alunos, que estava visitando a escola, entrou na sala. Quando a aula acabou, um deles perguntou pra Professora:

 

— A senhora está querendo ensinar meu filho a ganhar a vida vendendo amendoim?

 

A Professora explicou que Alexandre só estava contando pros colegas como era o trabalho dele, pra todos ficarem sabendo como é que ele vivia.

 

No outro dia saiu fofoca: contaram pro Alexandre que tinha um pessoal que não estava gostando da maleta da Professora.

 

— Que pessoal?

 

Um disse que era a diretora, outro disse que era uma outra professora, outro disse que era o pai de um aluno, outro falou que era o faxineiro, e foi um tal de um disse que o outro falou, que ninguém ficou sabendo direito.

 

Aí uns dias depois, choveu muito. [...] Quase ninguém foi à escola. Mas Alexandre foi. Entrou na classe e viu tudo vazio; chovia demais pra voltar pra casa; resolveu sentar e esperar. Lá pelas tantas a Professora chegou. Mas chegou sem a maleta. E com um jeito diferente, uma cara meio inchada, não contou coisa gozada, não riu nem nada. Sentou e ficou olhando pro chão. Alexandre achou que ela nem tinha visto ele:

 

— Oi!

 

Ela também disse oi, e continuou quieta. Depois de um tempo, Alexandre cansou de tanto ninguém dizer nada e falou:

 

— A chuva molhou sua cara.

 

A Professora nem se mexeu. Ele perguntou:

 

— Foi chuva?

 

Ela fez que sim com a cabeça. Alexandre resolveu esperar mais um pouco. Mas pelo jeito, a Professora tinha esquecido de dar aula. Será que era porque ela não tinha trazido a maleta? Arriscou:

 

— Cadê a maleta?

 

A Professora olhou pra ele sem saber muito bem o que é que dizia. Ele insistiu:

 

— Hem? Cadê?

 

— Perdi.

 

Ele se apavorou:

 

— Com tudo que tinha lá dentro?

 

— É.

 

— Os pacotes todos?

 

— É.

 

— O azul, o verde, o...

 

— É, é, é!!

 

Puxa, que susto! ela nunca tinha falado alto assim. Não perguntou mais nada, o coração ficou batendo, batendo, mas ela continuava sempre quieta, tão quieta que ele acabou não aguentando e perguntou de novo:

 

— Mas e agora? Como é que você vai dar aula sem a maleta?

 

— Não sei.

 

— Mas... escuta... você já procurou bem? — Ela fez que sim com a cabeça. — Botou anúncio no jornal? Diz que quando a gente bota anúncio quem acha dá pra gente. — Ela ficou quieta. — Botou?

 

— Botei.

 

— Ninguém achou?

 

— Não.

 

— Então como é que vai ser?

 

— Não sei.

 

— Dá jeito de você comprar os pacotes de novo?

 

— Não.

 

— Por quê? — Ela não disse nada. — Responde. Por quê?

 

— Eles vêm junto com a maleta; não vendem separado.

 

— Mas então compra outra maleta, pronto! — Ela ficou quieta de novo. E como o tempo ia passando e ela continuava sempre quieta, e a cara não secava nunca e não chovia lá dentro e a cara cada vez mais molhada, ele acabou pedindo:

 

— Compra, sim?

 

— Não dá, Alexandre. Eles não estão mais fabricando essas maletas hoje em dia.

 

E aí ele não perguntou mais nada. Ela também não falou mais. Até que a campainha tocou e a aula acabou.

 

BOJUNGA, Lygia. A casa da madrinha. 9. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1986.

 

No trecho da obra de Lygia Bojunga, o narrador apresenta a maleta da Professora como um objeto muito especial pelo fato de tornar as aulas mais



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