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Instrução: A questão refere-se ao texto abaixo.

 

Anticurriculum

 

Leio a notícia em uma tela multimídia instalada no canto de um elevador comercial, de que um grande ator de televisão negou-se a fazer o papel principal de uma série que será realizada por uma importante produtora americana. Na sala 603, (1) já sentada na cadeira do dentista, (1) penso por que não divulgo os trabalhos que não fiz, por que não capitalizo meu anticurriculum. O dentista pergunta do que estou rindo, respondo, de boca aberta, das bobagens do pensamento. O primeiro convite negado foi o de uma peça de teatro. O autor/diretor era um cara muito legal, mas usava um método de direção rígido, polonês. Tínhamos que andar em cena segundo um mapa desenhado a lápis em uma folha de papel, cada ator tinha sua linha-trajetória pontilhada de cor diferente. Ficávamos com o mapa na mão sem saber se ríamos ou se chorávamos, o negócio era mais complexo que uma ferrovia interestadual. Os atores foram saindo um por um, depois de uma semana, saí também. Lembro que recusei a direção de um texto lindo de Federico García Lorca, a atriz era ótima, não sei o que me deu, me senti despreparada, baita imaturidade minha, saí depois de algumas semanas. Acho que a atriz nunca me perdoou, mas eu e o diretor polonês nos tornamos amigos. Essas experiências foram no auge dos meus vinte anos. Clarice, interrompo, fale dos trabalhos que você recusou, não dos que você abandonou. Abandonar trabalhos não tem o mesmo glamour que recusar trabalhos, muito pelo contrário, depõe contra você. E dê nome aos bois, pois assim, no genérico, não tem graça nenhuma. O dentista pergunta novamente do que estou rindo, digo, já sentindo todo o lado esquerdo do rosto dormente, das intempéries do pensamento. Recusei participar de um seriado da Disney, Desperate Housewives (2), versão América Latina, rodado em Buenos Aires, em 2007. Eu seria uma das donas de casa desesperadas, ao lado de nomes consagrados do cinema e da televisão. O convite da TV responsável pela coprodução da série surgiu no mês em que  A Alma Imoral  estrearia no horário nobre da sala Marília Pera, 450 lugares, do Teatro Leblon, Rio. Se ainda hoje, doze anos em cartaz, não sinto nenhum cansaço em fazer a peça, imaginem o fôlego emocional que eu tinha há onze anos. Quis conciliar, mas as agendas não batiam. A escolha de não fazer a série envolveu certo sofrimento. Tudo contava a favor, mas era como se minha intuição me perguntasse o que seriam cinco meses de contrato para fazer um seriado da mítica Disney, diante de um possível e longo tempo de aprendizado, de satisfação artística e financeira no teatro, local escolhido para viver. Muita gente me achou maluca. Eu poderia remontar a peça, mas não se para o galope de um coração impunemente. À luz da Alma, fui conservadora? Fui transgressora? Levanto da cadeira do dentista. Digo mais sim do que não. Sei que em cada trabalho está a semente do próximo. Detesto fruta sem caroço. Em cada fruta, a semente da próxima. Quando uma fruta não tem caroço, me pergunto, onde está a continuidade dessa fruta? Quem roubou as sementes que estavam aqui? Não compro fruta sem caroço. Em cada trabalho, a semente do próximo. Existem “nãos” que trazem em si uma semente, são “nãos” transgressores, da ordem da evolução, que abrem muitos caminhos. Um ou outro “não” foi dessa ordem. Um “sim” à coragem de desbravar oceanos e plantar sementes por aí. Chegar ao caroço é o nosso prazer, e deixá-lo na terra é a nossa função. O dentista diz que não devo comer nada por uma hora, e pergunta por que fiquei séria de repente. Entro no elevador, de novo a notícia do ator que não fará a série. Espero que ele não faça a série por um motivo que espalhe muitas sementes por aí, senão, ele é completamente maluco. (3)

 

(Clarice Niskier – Revista da Cultura – Disponível em www.livrariacultura.com.br – adaptação)

 

Considerando o emprego correto dos sinais de pontuação, analise as assertivas a seguir, assinalando V, se verdadeiras, ou F, se falsas.


1. (   ) As vírgulas poderiam ser substituídas por duplo travessão sem prejuízo da correção gramatical do período.


2. (   ) O termo estrangeiro Desperate Housewives  está grafado em itálico por não ser palavra pertencente à Língua Portuguesa, mas deveria ser grafado entre aspas, estando, portanto, incorreto.


3. (   ) Por tratar-se de algo acerca do qual a autora não tem certeza, poder-se-ia terminar o período com ponto de interrogação sem prejuízo da correção gramatical do período.


A ordem correta de preenchimento dos parênteses, de cima para baixo, é:



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