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Pós-modernos de tacape

 

Que somos homens das cavernas fantasiados de pós-moderninhos, isso todo mundo sabe. Estamos em forma, visitamos os melhores resorts, temos vários cartões de crédito e dívidas que se acumulam. Aí o cara das cavernas desperta, grunhe, ou ruge, e ataca. Pega a clava, o tacape – que pode ser de material sólido mesmo ou metafórico, feito de palavras, ou de atitudes –, e pau no outro.

 

A hostilidade deve andar de mãos dadas com o estresse, que hoje desculpa quase tudo. No trânsito, o número de loucos à solta cresce assustadoramente: costuras bizarras, para-choque do carro ameaçando uma trombada sem motivo, gestos obscenos pela janela. No estacionamento, alguém te amassa o para-lama ou risca a porta claramente com a chavedo seu carro: maldade, divertimento boçal, retardados cidadãos. Nos condomínios, nem sempre as coisas são pacíficas: onde tem gente reunida floresce vizinhança boa e amizade, mas também muita insensatez, falta de compostura, de consideração. Nas ruas, cotoveladas para abrir caminho; nos ônibus, senhoras em pé e preguiçosos atirados nos bancos; no cinema, comilança, conversa e arrotos; nas salas de aula, celulares e outros a pleno vapor. Greves trancam a educação já tão por baixo; agora deram para protestar queimando livros (ouvi falar de alguém que fazia isso em outros tempos, chamava- se Adolf...). E nós, cada vez mais irritados, agressivos. Viver e conviver é difícil. Tem de sublimar para continuar curtindo o seu canto e abrindo seu caminho sem pisar no outro.

 

Confesso que eu queria que a gente fosse um pouco mais manso (trouxa, nunca). Queria que em vez de hostis e agressivos fôssemos mais gentis e mais civilizados. Deixando de transformar o ressentimento em insulto, o estresse em pedradas, usando esterco para sujar o que existe de positivo, e ainda cuspir em cima, assim, gratuitamente, sem fundamento que não a nossa errante agressividade. Eu ando sem paciência. Fora da realidade, disse-me alguém. Pode ser. A idade tem suas chatices, mas pode nos fazer mais tolerantes ou nos tornar mais alertas – porque, como diz o dito popular, o diabo não é esperto por ser diabo, mas por ser velho. A gente entende que basta parar, contemplar o outro, curtir a natureza, a vida, para diminuir essa irritação dos estressados. Pois o hostil, o agressivo, não se manifesta a toda hora nem em toda parte; talvez nem seja a maioria sempre pronta a rosnar e atacar. Muito jovem estuda e trabalha com grande dificuldade e é amoroso com a família. Muito velho ainda curte afetos.

 

Qualquer um pode escapar, de graça, para uma beira de estrada com borboletas de um espantoso azul ou ter alguma visão de beleza dentro da mais modesta casa. E vai se reconciliar com este hostil mundo nosso, da corrupção, da impunidade, do endividamento, da miséria: não se consegue por todo o sempre, mas por algum tempinho. E já será bom.

 

(Lya Luft, Veja, 21 dez. 2011. Adaptado)

 

 

De acordo com o texto, é correto afirmar que



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