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Prefeitura Municipal de Eusébio
Questão 1 de 1
Assunto: Sem classificação

Leia o texto.

O pai e o filho

 

Towner lembra que nas sociedades primitivas o menino e o homem são quase iguais. Dentro do sistema patriarcal, não: há uma distância social imensa entre os dois. Entre "párvulos" e "adultos", para usar as velhas expressões portuguesas. Tão grande como a que separa os sexos: o "forte", do "fraco", "nobre",  do "belo". Tão grande como a que separa as classes: a dominadora, da servil - às vezes sob a dissimulação de raça ou casta "superior" e "inferior".

 

É verdade que a meninice, nas sociedades patriarcais, é curta. Quebram-se logo as asas do anjo.E deste modo se atenua o anatagonismo entre o menino e o homem, entre o pai e o filho. Nos períodos de decadência do patriarcalismo - tal como o estudo, nesta páginas - semelhante antagonismo não desaparece: transforma-se, ou antes, prolonga-se, na rivalidade entre o homem moço e o homem velho.

 

Tamanho é o prestígio da idade grande, avançada, provecta, naquelas sociedades, que o rapaz imita o velho desde a adolescência. E trata de esconder por trás de barbas de mouro, de óculos de velho, ou simplesmente, de uma fisionomia sempre severa, todo o brilho da mocidade, toda a alegria da adolescência, todo o resto de meninice que lhe fique dançando nos olhos ou animando-lhe os gestos. Se pinta a barba é para não parecer decrépito.

 

No Brasil patriarcal, o menino- enquanto considerando menino - foi sempre criatura conservada a grande distância do homem. A grande distância do elementos humano, pode-se acrescentar.

 

Até certa idade, era idealizado em extremo. Identificado com os próprios anjos do céu. Criado como anjo andando nu em casa como um Meninozinho Deus.

 

Morto nessa idade angélica, o menino era adorado. As mães regozijavam-se com a morte do anjo, como a que Luccock viu no Rio de Janeiro, chorando de alegria porque o Senhor lhe tinha levado o quinto filho pequeno. Eram já cinco anjo à sua espera no céu!

 

Du Petit-Thouars viu em Santa Catarina, em 1825, um menino morto francamente adorado: "[..] vi, no fundo da sala, um estrado sobre o qual estava disposta no altar uma criancinha, cercada de lírios e vasos com flores; tinha o rosto descoberto e estava ricamente vestida, tendo na cabeça uma coroa de sempre-viivas e um ramo na mão". Em volta do altar com o meninozinho morto, esteiras; e ajoelhadas sobre as esteiras, mulheres em trajos de festa, cantando. Depois houve até dança alegre.

 

Essa espécie de volúpia em torno da morte da criança, já sugerimos em estudo anterior, que talvez se derivasse dos jesuítas: do seu afa de neutralizar o rancor dos índios contra os brancos e particularmente contra eles, padres, diante da grande mortalidade de culuminzinhos que se seguiu aos primeiros contatos dos dominadores europeus com a população nativa. Essa mortalidade, tendo também se verificado entre as famílias europeias ou de origem eupeias, a estas se teria comunicado  também a alegria, por assim dizer teológica, estimulada pelos padres, em torno da morte das crianças. Alegria mórbida, desenvolvida para consolo das mães sem época de condições as mais anti-higiênica de vida.Principalmente nas vilas e cidades; as vilas e cidades dos primeiros séculos coloniais.

 

Mas essa adoração do menino era antes dele chegar à idade teologica da razão. Dos seis ou sete anos aos dez, ele passava a manino-diabo. Criatura estranha que não comia na mesa nem participava de modo nenhum da conversa da gente grande. Tratado de resto. Cabeça raspada: os cachos do tempo de anjo guardados pela mãe sentimental no fundo da gaveta da cômoda ou oferecidos ao Senhor dos Passos para a cabeleira de dia de procissão.

 

E porque se suponha essa criatura estranha, cheio do instinto de todos os pecados, com a tendência para a preguiça e a malícia, seu corpo era o mais castigado dentro de casa. Depois do corpo do escravo, naturalmente.Depois do corpo do moleque leva- pancada, que às vezes apanhava por ele e pelo menino branco. Mas o menino branco também apanhava. Era castigado pelo pai, pela mãe, pelo avô, pela avó, pelo padrinho, pelo padre-mestre, pelo mestre-régio, pelo professor de Gramática. Castigado por uma sociedade de adultos em que o domínio sobre o escravo desenvolvia, junto com as responsabilidades de mando absoluto, o gosto de judiar também com o menino. O regime das casas-grandes continua a imperar, um tanto atenuado, nos sobrados.

 

O domínio do pai sobre a filha menor - e mesmo maior - fora no Brasil patriacal aos seus limites ortodoxos: ao direito de matar. O patriarca tornara-se absoluto na administração da justiça de família, repetindo alguns pais, à sombra dos cajueiros de engenho, os gestos mais duros do patriarcalismo clássico: matar e mandar matar, não só os negros como os meninos e as moças brancas, seus filhos.

 

Diz-se que até o gesto célebre de Salomão chegou a ser imitado por um desses velhos de casa-grande. Velho ásperos para quem julgar e justiçar a própria família era uma das imposições tristes,porém inevitáveis, da autoridade de patriarca. Tal o chamado Velho da Taipa, grande senhor de Pitagui, na capitania das Minas, onde nos pricípios do século XVIII levantara no alto de um morro sua casa de taipa, daí reinando patriarcalmente soobre toda a região. Conta-se que um rapaz portugues do genro do patriarca.(Os casos de bigamia parecem que foram frequentes em regiões como a das minas, de população flutuante, constituindo um problema difícil para os bispos de Mariana, depois de terem sido o maior espantalho de patriarcas severos com filhas moças dentro de casa.) Foi quando, diz a tradição, o Velho da Taipa tendo de decidir a questão, repetiu o gesto do rei hebreu: e ele próprio  - contam em Minas - partiu pelo meio, a machado, o corpo do rapaz, entregando uma metade à filha, a outra metade à mulher vinda do Reino, em busca do marido.

 

(FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado e desenvolvimento do urbano. 15' ed. São Paulo: Global, 2004, p. 177-180).

 

Tendo em vista os propósitos textuais e a organização linguística do texto, somente é CORRETO o que se afinna em:



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