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Secretaria de Estado de Saúde do Estado do Acre
Questão 1 de 1

Leia o texto abaixo e responda à questão proposta.

Aquilo


– De uns tempos para cá, eu só penso naquilo.


– Eu penso naquilo desde os meus, sei lá, onze anos.


– Onze anos?


– É.E o tempo todo.


– Não. Eu, antigamente, pensava pouco naquilo. Era uma coisa que não me preocupava. Claro que a gente convivia com aquilo desde cedo. Via acontecer à nossa volta, não podia ignorar. Mas não era, assim, uma preocupação constante. Como agora.


– Pra mim sempre foi. Aliás, eu não penso em outra coisa.


– Desde criança?!


– De dia e de noite.


– E como é que você conseguia viver com isso, desde criança?


– Mas é uma coisa natural. Acho que todo mundo é assim. Você é que é anormal, se só começou a pensar naquilo nessa idade.


– Antes eu pensava, mas hoje é uma obsessão. Fico imaginando como será. O que eu vou sentir. Como será o depois.


– Você se preocupa demais. Precisa relaxar. A coisa tem que acontecer naturalmente. Se você fica ansioso é pior. Aí sim, aquilo se torna uma angústia, em vez de um prazer.


–Um prazer? Aquilo?


– Pra você não sei. Pra mim, é o maior prazer que um homem pode ter. É quando o homem chega ao paraíso.


– Bom, se você acredita nisso, então pode pensar naquilo como um prazer. Pra mim é o fim.


– Você precisa de ajuda, rapaz.


– Ajuda religiosa? Perdi a fé há muito tempo.


Da última vez que falei com um padre a respeito, só o que ele me disse foi que eu devia rezar. Rezar muito, para poder enfrentar aquilo sem medo.


– Mas você foi procurar logo um padre? Precisa de ajuda psiquiátrica. Talvez clínica, não sei. Ter pavor daquilo não é saudável.


– E eu não sei? Eu queria ser como você. Viver com a perspectiva daquilo naturalmente, até alegremente. Ir para aquilo assoviando.


– Ah, vou. Assoviando e dando pulinho. Olhe, já sei o que eu vou fazer. Vou apresentar você a uma amiga minha. Ela vai tirar todo o seu medo.


– Sei. Uma dessas transcendentalistas.


– Não, é daqui mesmo. Codinome Neca. Com ela é tiro e queda. Figurativamente falando, claro.


– Hein?


–O quê?


– Do que é que nós estamos falando?


– Do que é que você está falando?


– Daquilo. Da morte.


–Ah.


– E você?


– Esquece.

 

VERISSIMO, Luis Fernando. Aquilo. In: Novas Comédias da Vida Privada. PortoAlegre: L&PM, 1996. p. 43-44.

 

No fragmento “Com ela é tiro e queda. FIGURATIVAMENTE falando, claro.” (§ 22), o termo destacado revela, na fala do personagem, o traço:



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