Fiscais de barriga
Confesso: nos últimos tempos engordei. Não, não virei uma bola de boliche, mas esses últimos quilos se concentraram na barriga.(a) Todos eles. Tornei-me o alvo ideal para um tipo que virou uma praga na vida urbana. É o fiscal de barriga.
Trata-se de uma criatura empenhada em contabilizar o peso alheio. Você se encontra com o tipo, ele abre um sorriso até as orelhas e tasca:
– Engordou, hein?!
Todo fofo sabe quando e quanto subiu de peso. Quem nunca observou uma pessoa volumosa aferindo os gramas(b) numa balança de farmácia? Primeiro sobe, com expressão de esperança. Ao observar o marcador implacável, o rosto se contorce entre dúvida e desespero. Algumas tiram o casaco, como se um reles objeto pudesse pesar os 5 ou 10 quilos extras apontados. Suspira fundo e olha o marcador novamente.
Agora a expressão é de desconfiança, quando não de fúria:
– Balança de farmácia não presta!!(c)
E sai à procura de outra.
O fiscal de barriga só serve para acrescentar fel1 à vida dos outros. Conheço um, diretor de teatro, com a silhueta elegante como um balde.(d) Deveria ficar quieto, mas mede o peso de cada um com olhos argutos2:
– Quando fomos almoçar juntos, você estava bem mais magro.
– Que é isso? Eu já estava gordinho – defendo-me.
– Não, não... agora você está pior – contesta satisfeito.
Na fofura e na magreza, sempre haverá um fiscal para comentar(e) que, depois de se comportar como um inquisidor, dá a estocada final:
– Só falo porque sou seu amigo.
Que ninguém acredite na expressão de solidariedade.
Torturar o próximo, eis seu maior prazer.
(Walcyr Carrasco. VEJA SP, 06.11.1996. Adaptado)
1 fel: amargura, azedume.
2 argutos: muito atentos.