A notícia veio de supetão: iam meter-me na escola.
Não me defendi, não mostrei as razões que me fervilhavam na cabeça, a mágoa que me inchava o coração. Inútil qualquer resistência.
Trouxeram-me a roupa branca nova. Tentaram calçar-me os borzeguins* amarelos: os pés tinham crescido e não houve meio de reduzi-los. Machucaram-me, comprimiram- -me os ossos. E, com a roupa nova, o gorro de palha, folhas de almaço numa caixa, penas, lápis, uma brochura de capa amarela, saí de casa, tão perturbado que não vi para onde me levavam. Nem tinha a curiosidade de informar-me: estava certo que seria entregue a um professor barbado e severo.
Mas só mais tarde notei que estava numa sala pequena.
Avizinharam-me de uma senhora baixinha e de cabelos brancos. Fileiras de alunos se perdiam num aglomerado confuso.
As minhas mãos frias não acertavam com os objetos guardados na caixa; a voz da mulher sussurrava docemente.
Dias depois, vi chegar um rapazinho seguro por dois homens. Resistia, mordia, debatia-se, agarrava-se à porta, feroz. Entrou aos arrancos, e se conseguia soltar-se, tentava ganhar a rua. Foi difícil subjugar o bicho brabo, sentá-lo, imobilizá-lo. Examinei-o com espanto, desprezo e inveja. Não me seria possível espernear, berrar daquele jeito, exibir força, utilizar os dentes, espumante e selvagem. Na civilização e na fraqueza, ia para onde me impeliam, muito dócil, muito leve.
* Borzeguim: espécie de bota ou botim fechado à frente por cadarço.
(Graciliano Ramos. Infância. Rio de Janeiro: Editora Record, 1979. Excerto adaptado)