Enunciados de questões e informações de concursos

Leia atentamente o seguinte texto:

 

O Outro

 

Na redação, o secretário fazia sua cozinha, quando a senhora, não primaveril, mas ainda não invernosa, dele se aproximou timidamente. E sacando da bolsa um recorte de jornal, perguntou-lhe se sabia o endereço de Emílio Moura, autor dos versos ali estampados.


O secretário explicou-lhe que o assunto era de competência do Silva, encarregado do suplemento literário. O Silva não ia demorar, estava na hora dele. Não queria sentar-se, esperar?


Ela recolheu cuidadosamente o fragmento e dispôs-se a aguardar o Silva, que, como acontece nessas ocasiões, tardou um pouquinho. Mas que tardasse dois anos, não fazia diferença, a julgar pelo semblante da senhora, de paciente determinação.


Diante do Silva, exibiu novamente o papelzinho e fez-lhe a pergunta.


— Endereço do Emílio Moura? Pois não, minha senhora. Com licença, deixe ver aqui no caderninho: rua tal, número tantos, em Belo Horizonte ...


O rosto da senhora se transfigurou:


— Belo Horizonte? O senhor tem certeza de que ele está em Belo Horizonte?


— Se está, no momento, não sei, minha senhora. Mas sempre morou lá, isso eu posso lhe garantir.


Nova mutação se operou na fisionomia da visitante, onde o desaponto parecia querer instalar-se, mas era combatido pela dúvida:


— O senhor ... o senhor conhece pessoalmente Emílio Moura?


— Conheço, sim. Há muitos anos.


— Muitos? Que idade tem ele, mais ou menos?


— Fez cinqüenta há pouco tempo, a senhora não leu nos jornais a comemoração?


— Tem certeza de que não está enganado? Perdoe a insistência, mas podia me fazer o retrato físico de Emílio Moura?


— Perfeitamente. Trata-se de um senhor alto, magro, cabelos ainda pretos, pequena costeleta, bigodinho, usa piteira e fuma cigarro de palha. Que mais? Meio calado, extremamente simpático, muito querido por todos. Completo a ficha: professor da Universidade, casado, com filhos.


A senhora olhava para o papel, dobrava-o, esboçava o gesto de jogá-lo fora, depois o desdobrava e alisava com carinho. E, na ponta de longo silêncio:


— Senhor Silva, este pedacinho de jornal me trouxe uma grande esperança e agora uma profunda decepção. Muito obrigada. Desculpe.


Ia retirar-se, sem que o Silva compreendesse níquel, mas voltou-se, e rapidamente desfolhou esta confidência:


— Há quatro anos ando à procura de Emílio Moura. Éramos muito amigos, ele fazia versos lindos, que eu, na qualidade de sua melhor amiga, lia em primeira mão. Um dia, contou-me que ia viajar para Montevidéu, onde ficaria algum tempo. Escreveu-me de lá duas vezes, e da segunda anunciava que seguiria para o Canadá. Nunca mais recebi a menor notícia. Ninguém sabe informar nada. Quando li no jornal esta poesia com o nome dele, fiquei cheia de esperança, mas agora não sei o que pensar. O senhor me diz que Emílio Moura tem cinqüenta anos e é professor em Belo Horizonte. O que eu conheço tem trinta e dois anos e nunca morou em Minas, que eu saiba, mas como os versos dele são parecidos com estes que o seu jornal publicou! A mesma doçura, uma sensação de fim de tarde, meio triste, o senhor não imagine ... Enganei-me. Desculpe mais uma vez, e passe bem, Sr. Silva.


Saiu, levando nas mãos o papelzinho, como uma flor.


Carlos Drummond de Andrade

 

“Ela recolheu cuidadosamente o fragmento e dispôs-se a aguardar o Silva, que, como acontece nessas ocasiões, tardou um pouquinho.” Com essa passagem o autor dá entender que



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