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TEXTO I


Pôr-do-sol da freira


Premiado no Brasil e no estrangeiro, famoso já, coberto de glórias literárias e sociais, ele chegou em casa e encontrou a filha em prantos.


- Que foi, filhinha?


A filhinha já não era tão filhinha. Dezoito anos, terminava o científico. E foi entre soluços que ela contou o drama: estava ameaçada de levar bomba em Português. Autora das piores redações de todo o ano letivo, a madre professora dera a chance: ou fazia uma composição decente que redimisse todos os pecados acumulados ou ficava sem média para os exames. E ela - que brilhava em Matemática, que ganhara o premio de viagem a Mataripe pela melhor nota de Geografia, que era autoridade em Renascença e em Guerras Púnicas sentiu na boca o gosto amargo da bomba a caminho.


- Uma humilhação! - berrou o pai pelo meio da sala.


A filha de um homem traduzido em chinês, em copta, em servo-croata, editado pelo MacMillan, da Academia Brasileira de Letras, patrono de escolas e universidades, ter uma filha ameaçada de bomba em redação! Uma vergonha!


A filha enxugou as lágrimas. O orgulho, quebraria o galho agora. E sopeira que vinha da cozinha.

 

Suspendam o jantar! Vou fazer a redação para minha filha. Quero ver o que essa freira de ...

 

- Papai!

 

- ... vai dizer da minha composição!

 

Quando o homem atingia ao palavrão é que o 30 negócio estava preto mesmo. E tão preto que todo mundo começou a pisar na ponta dos pés, em respeito à concentração intelectual do chefe da casa, que se trancara no gabinete.

 

Limpou a mesa, varejou papéis velhos e apanhou a caneta de estimação, a mesma com que escrevera seu maior êxito de venda e crítica, Os Selvagens. Aquela pena fora elogiada por William Faulkner e John dos Passos. Pois com aquela pena começou.

 

Qual é o tema?

 

Pôr- do- sol, papai.

 

Tacou um pôr- do- sol caprichadíssimo, cheio de tintas sangrentas no horizonte e suspiros de lagos plácidos que anoiteciam. Lembrou-se de todos os pores- do- sol que vira nas folhinhas de armazém, remoeu a alma para ressuscitar deslumbramentos de seus 18 anos e depois de meia hora as 30 linhas fatais estavam cumpridas. Releu em voz alta, foi severo na revisão, substituiu um "profundamente" por um "essencialmente", alterou a regência de um verbo e deu por limpa e acabada a prova:

 

Copie com sua letra agora! Vai ser barbada!

 

Os eventos da noite trouxeram esquecimento e paz sobre o assunto. Jantaram, viram um filme pela televisão, a irmã recém-casada apareceu na visita de todas as noites, finalmente foram dormir.

 

O homem acordou ao meio-dia, com outro bode armado na sala de baixo. Sob as cobertas, distinguia o choro de sua filha e as vozes abafadas que a consolavam.


Desceu de pijama mesmo.

 

Que está havendo nesta casa?

 

A filha correu para ele, de braços abertos:

 

- Papai, a freira deu bomba no senhor: quatro!

 

E o pai, traduzido em servo-croata, editado pelo MacMillan, deu um uivo e rolou pela escada, espumando contra a freira e contra o pôr-do-sol.

 

CONY, Carlos H. Pôr-do-sol da freira. ln: CONY, Carlos H. Quinze anos. São Paulo: Ediouro, 2003, pp. 30-32.

 

A questão refere-se ao TEXTO I.


Assinale a opção em que a alteração na regência do verbo no par de frases mantém a correção gramatical.



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